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TENDÊNCIAS/DEBATES
Sobre vetos, torres e o Masp
JOSÉ EDUARDO DE ASSIS LEFÈVRE
O que diriam os parisienses se, por hipótese, a torre Eiffel mudasse seu nome para Eiffel-Telecom, com um enorme anúncio luminoso?
O ILUSTRE cardiologista Adib
Jatene, presidente do Conselho Deliberativo do Masp, veio
a público reiterar sua posição favorável à construção de uma torre sobre o
edifício Dumont-Adams, com o alegado propósito de salvar o museu da ruína financeira.
A proposta apresentada pelo Masp
foi negada pelo Conpresp (Conselho
Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo) em fevereiro de 2005. E, analisando recurso e
proposta alternativa encaminhada
pelo museu, foi definitivamente vetada em outubro passado.
O ponto-chave do veto está no parecer aprovado: "Entendemos que a
torre proposta interfere de forma radical na escala do bem tombado, descaracterizando-o de forma a comprometer sua integridade".
É necessário ressaltar que o parecer negativo se refere especificamente ao projeto da torre. Não há objeções quanto à substituição do edifício
Dumont-Adams por um outro de proporções equivalentes aos demais
existentes na avenida Paulista.
Em artigo publicado nesta Folha
de S.Paulo em 24 de fevereiro de
2006, o dr. Jatene afirmou que a proposta da torre havia sido aprovada
pelo Iphan (Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional) e pelo
Condephaat (Conselho de Defesa do
Patrimônio Histórico, Arqueológico,
Artístico e Turístico), o que não é
exato.
O Iphan declarou que a proposta da
torre era isenta de apreciação por
aquele órgão. Ou seja, não desaprovava, mas também não aprovava. Quanto à aprovação pelo Condephaat, tomamos conhecimento por este mesmo jornal, em notícia publicada em 1º
de julho passado, que seu presidente
"decidiu sozinho sobre o caso da torre do Masp, porque o conselho estava
em recesso e o museu tinha urgência". Ou seja, a proposta não foi apreciada pelo plenário do Condephaat.
O presidente do Conselho Deliberativo do Masp afirma, agora em outro artigo, publicado em 12 de julho
no mesmo espaço, que a construção
de um mirante criaria uma atração
turística capaz de viabilizar financeiramente o museu.
No entanto, nenhum estudo nesse
sentido foi sequer apresentado pelo
Masp. A operação do mirante dificilmente pagaria a construção da torre,
e parece pouco provável que possa recuperar as combalidas finanças do
Masp.
O que justificaria então os investimentos a serem feitos pela empresa
Vivo, grupo privado que assumiria o
ônus financeiro do empreendimento? Evidentemente, a enorme "visibilidade" da torre e a repercussão de
sua imagem vinculada ao Masp durante dez anos.
Os grandes arranha-céus se identificam com as corporações que os
construíram, tal o seu poder de fixar
uma imagem. Pela proposta do museu, a torre se identificaria como
Masp-Vivo.
Há, ainda, um aspecto que pouco
veio a público. A torre não se limitaria
à altura do mirante, como consta do
projeto apresentado ao Conpresp e
divulgado pela Folha nas edições de
28 de setembro e 26 de outubro de
2005. Sobre a cobertura do mirante
seria instalada uma antena para telecomunicações que dobraria a altura
total para 250 metros. O projeto dessa antena foi enviado à prefeitura em
2004, por meio do ofício Masp-PRE,
de 9 de novembro (processo 2004-0.267.611-0), e ao Condephaat. Contudo, em reunião com o Conpresp, o
presidente do Masp negou a existência de tal projeto.
O dr. Jatene menciona a adoção do
caminho judicial pelo Masp, numa
tentativa de se sobrepor aos meios
técnicos. Até aqui, no entanto, todos
os pleitos feitos pela diretoria do museu foram negados pela Justiça.
E a questão da torre Eiffel? Citando
esse exemplo, o dr. Jatene demonstra
desconhecer ou preferir ignorar a
enorme diferença entre o contexto
cultural da França de 1889 e o do Brasil de hoje.
A Exposição Universal de 1889,
realizada em Paris, foi uma festa de
afirmação republicana, comemorativa do centenário da Revolução Francesa, no âmbito de uma sociedade
conservadora. No campo da engenharia e da arquitetura, ocorria uma cisão, característica do século 19, que
opunha defensores do ecletismo historicista aos adeptos da modernidade
das novas tecnologias, como o engenheiro Gustave Eiffel.
A torre Eiffel não trazia a marca de
uma empresa, mas era o símbolo da
exposição, com toda a sua carga semântica, que, evidentemente, tinha
opositores na sociedade francesa.
Para finalizar, o que diriam os parisienses se, por hipótese, a torre Eiffel
necessitasse de uma restauração e,
obtendo uma vantajosa proposta de
patrocínio, passasse a se chamar Torre Eiffel-Telecom, com um exuberante anúncio luminoso?
JOSÉ EDUARDO DE ASSIS LEFÈVRE, 63, arquiteto, professor doutor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da USP, é presidente do Conpresp (Conselho Municipal de
Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo).
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