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TENDÊNCIAS/DEBATES
O Brasil tem condições de sediar uma Olimpíada?
NÃO
O Pan, as ilusões e a realidade
ALBERTO MURRAY NETO
A PARTICIPAÇÃO brasileira nos
Jogos Pan-Americanos foi boa.
Contudo, é importante não se
deixar contagiar por um clima de euforia para não criar falsas ilusões sobre a nossa realidade esportiva.
Embora seja certo que a competição continental que o Rio teve a honra
de sediar pode ser o cenário do nascimento de uma estrela, também é correto que o nível técnico do Pan está
muito aquém das competições mundiais relevantes. Obteremos em Pequim premiação naqueles mesmos
esportes que, há vários anos, vêm
dando medalhas ao nosso país.
Para sermos uma potência olímpica, há um longo caminho a ser percorrido. O Estado precisa incluir o esporte como fator preponderante na educação do povo, levando sua prática
aos lugares mais pobres.
O que o poder público oferece aos
estudantes em suas escolas é uma
propaganda contra a educação física,
professores malremunerados e espaços inadequados para o seu exercício.
Mais importante que medalhas, é ter
um povo praticando esportes.
Nos 38 anos em que meu avô integrou o COI (Comitê Olímpico Internacional), sendo seu vice-presidente,
vivi intensamente aquela entidade.
Aprendi a entender como são os critérios de escolha da cidade olímpica.
Por exemplo, a rotação de cidades-sedes entre os continentes nunca teve
importância para o COI. À parte as
competições esportivas, os Jogos
Olímpicos são um grande negócio. A
cidade eleita e o COI assumem obrigações contratuais de grande vulto financeiro com os chamados "top
sponsors" do movimento olímpico.
O COI tem a tradição de entregar a
enorme responsabilidade de sediar as
Olimpíadas a cidades que ofereçam
garantias seguras de que sua preparação e realização não enfrentarão percalços. O que é observado pelo COI
inclui (mas não se limita a):
a) Construção de instalações esportivas que atendam rigorosamente ao
seu caderno de encargos. Como o número de pessoas que participam de
uma Olimpíada é muito superior ao
do Pan, seria necessário despender
muito dinheiro público em novas e
moderníssimas praças de esportes;
b) O governo deveria garantir investimentos maciços em obras de infra-estrutura viárias, novas linhas de
metrô, renovação da frota de ônibus
municipais, trens, ampliação de aeroportos, hospitais de primeira qualidade e rede de hotéis suficiente para
acolher a família olímpica e os turistas em número bem mais elevado;
c) Estrutura de segurança mais
complexa e dispendiosa em razão do
número de pessoas e dos chefes de
Estado presentes ao evento;
d) Demonstração de responsabilidade social. Cidades com grandes
desníveis sociais, historicamente,
têm desvantagem;
e) Demonstração de responsabilidade ambiental. O ex-presidente Samaranch deixou como legado a mensagem de que o olimpismo é união de
esporte, cultura e meio ambiente;
f) Garantias dos três níveis de governo de que as verbas a serem empenhadas para os Jogos Olímpicos não
sofrerão atrasos;
g) Histórico de estabilidade econômica no país; e
h) Existência de mentalidade olímpica no país.
Durante a preparação para os Jogos
Pan-Americanos, vimos disputas políticas públicas entre os três níveis de
governo, atrasos em cronogramas, a
não-realização das obras de infra-estrutura prometidas e questões orçamentárias contestadas pelo TCU, o
que não é bem visto pelo COI.
Organizar o Pan não é uma prova de
que uma cidade pode realizar uma
Olimpíada. O Brasil está longe de
atender aos quesitos bem mais rigorosos para sediar os Jogos Olímpicos.
Para cumpri-los -e aqui citamos
apenas alguns-, seria necessário despender quantias significativas de dinheiro público. Em um país em que se
vê gente morrendo nas filas dos hospitais em razão de aparelhos quebrados e em que não há meios de praticar
esportes com dignidade nos locais
mais pobres, seria mais consciente
gastar dinheiro para amenizar as severas mazelas sociais, adotando o esporte de base como um fator essencial na formação do povo.
ALBERTO MURRAY NETO, 41, é diretor da ONG Sylvio de
Magalhães Padilha (de incentivo ao esporte e ao movimento olímpico), árbitro da Corte Internacional do Esporte e membro da Assembléia Geral do Comitê Olímpico
Brasileiro. Esteve presente a nove Jogos Olímpicos.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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