São Paulo, sábado, 28 de julho de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Brasil tem condições de sediar uma Olimpíada?

NÃO

O Pan, as ilusões e a realidade

ALBERTO MURRAY NETO

A PARTICIPAÇÃO brasileira nos Jogos Pan-Americanos foi boa. Contudo, é importante não se deixar contagiar por um clima de euforia para não criar falsas ilusões sobre a nossa realidade esportiva. Embora seja certo que a competição continental que o Rio teve a honra de sediar pode ser o cenário do nascimento de uma estrela, também é correto que o nível técnico do Pan está muito aquém das competições mundiais relevantes. Obteremos em Pequim premiação naqueles mesmos esportes que, há vários anos, vêm dando medalhas ao nosso país.
Para sermos uma potência olímpica, há um longo caminho a ser percorrido. O Estado precisa incluir o esporte como fator preponderante na educação do povo, levando sua prática aos lugares mais pobres. O que o poder público oferece aos estudantes em suas escolas é uma propaganda contra a educação física, professores malremunerados e espaços inadequados para o seu exercício. Mais importante que medalhas, é ter um povo praticando esportes.
Nos 38 anos em que meu avô integrou o COI (Comitê Olímpico Internacional), sendo seu vice-presidente, vivi intensamente aquela entidade. Aprendi a entender como são os critérios de escolha da cidade olímpica. Por exemplo, a rotação de cidades-sedes entre os continentes nunca teve importância para o COI. À parte as competições esportivas, os Jogos Olímpicos são um grande negócio. A cidade eleita e o COI assumem obrigações contratuais de grande vulto financeiro com os chamados "top sponsors" do movimento olímpico.
O COI tem a tradição de entregar a enorme responsabilidade de sediar as Olimpíadas a cidades que ofereçam garantias seguras de que sua preparação e realização não enfrentarão percalços. O que é observado pelo COI inclui (mas não se limita a):
a) Construção de instalações esportivas que atendam rigorosamente ao seu caderno de encargos. Como o número de pessoas que participam de uma Olimpíada é muito superior ao do Pan, seria necessário despender muito dinheiro público em novas e moderníssimas praças de esportes;
b) O governo deveria garantir investimentos maciços em obras de infra-estrutura viárias, novas linhas de metrô, renovação da frota de ônibus municipais, trens, ampliação de aeroportos, hospitais de primeira qualidade e rede de hotéis suficiente para acolher a família olímpica e os turistas em número bem mais elevado;
c) Estrutura de segurança mais complexa e dispendiosa em razão do número de pessoas e dos chefes de Estado presentes ao evento;
d) Demonstração de responsabilidade social. Cidades com grandes desníveis sociais, historicamente, têm desvantagem;
e) Demonstração de responsabilidade ambiental. O ex-presidente Samaranch deixou como legado a mensagem de que o olimpismo é união de esporte, cultura e meio ambiente;
f) Garantias dos três níveis de governo de que as verbas a serem empenhadas para os Jogos Olímpicos não sofrerão atrasos;
g) Histórico de estabilidade econômica no país; e
h) Existência de mentalidade olímpica no país.
Durante a preparação para os Jogos Pan-Americanos, vimos disputas políticas públicas entre os três níveis de governo, atrasos em cronogramas, a não-realização das obras de infra-estrutura prometidas e questões orçamentárias contestadas pelo TCU, o que não é bem visto pelo COI. Organizar o Pan não é uma prova de que uma cidade pode realizar uma Olimpíada. O Brasil está longe de atender aos quesitos bem mais rigorosos para sediar os Jogos Olímpicos.
Para cumpri-los -e aqui citamos apenas alguns-, seria necessário despender quantias significativas de dinheiro público. Em um país em que se vê gente morrendo nas filas dos hospitais em razão de aparelhos quebrados e em que não há meios de praticar esportes com dignidade nos locais mais pobres, seria mais consciente gastar dinheiro para amenizar as severas mazelas sociais, adotando o esporte de base como um fator essencial na formação do povo.


ALBERTO MURRAY NETO, 41, é diretor da ONG Sylvio de Magalhães Padilha (de incentivo ao esporte e ao movimento olímpico), árbitro da Corte Internacional do Esporte e membro da Assembléia Geral do Comitê Olímpico Brasileiro. Esteve presente a nove Jogos Olímpicos.

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