|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
Os esportes de alto rendimento são sobrevalorizados no Brasil?
NÃO
O exemplo vem do esporte
LARS GRAEL
A discussão, eterna, sobre o esporte de alto rendimento em contraposição ao esporte de base é, no Brasil, para dizer o mínimo, forçada. Falta
esporte no nosso país, de qualquer tipo
ou espécie, a despeito de alguns esforços
pontuais de governos, dirigentes e entidades. Qualquer um que milita na causa
desportiva sabe que, no Brasil, o esporte
como um todo, afora o onipresente futebol, é relegado ao segundo plano. Exceção feita aos dias olímpicos, claro!
Mas vamos analisar mais detidamente a
questão do alto rendimento.
Antes de tudo, é preciso apontar o óbvio. Se houvesse a preocupação de usar
o esporte como meio de inclusão social,
de investir no seu papel social, a base
ampliada de praticantes de todas as modalidades naturalmente forneceria a
quantidade necessária para peneirar a
tão sonhada qualidade. Ou seja, mesmo
os ferrenhos defensores do esporte de
base, de certo modo, auxiliam o esporte
de alto rendimento. Não há um sem o
outro. A grande pergunta é: por que o
desempenho olímpico do Brasil está tão
aquém do desejado? Só essa indagação
já responde à pergunta acima.
Se o esporte de alto rendimento estivesse sobrevalorizado, nosso desempenho em competições de alto rendimento também estaria. E sabemos que não é
o caso. Volto a dizer que não compartilho da idéia de que os esportes de rendimento e de base sejam mutuamente excludentes; são complementares.
Para falar em esporte de rendimento
no Brasil é preciso antes falar do excelente papel que o COB vem desempenhando e do grande auxílio que a Lei
Agnelo-Piva representa. Mas ainda é
pouco. O esporte de alto rendimento
mostra para o mundo o quanto uma nação é digna. De certa forma, é um atestado de sua civilidade. Os grandes heróis
olímpicos servem de exemplo para o
povo. Demonstram, com sua garra,
vontade e superação, um caminho alternativo de sucesso. Um sucesso calcado no brio pessoal e no esforço em contraponto ao sucesso obtido sobre os outros, "contra" os outros, na famosa "Lei
de Gérson". Mostram o espírito desportivo, o espírito olímpico, o valor da
competição, o respeito pelo adversário,
o valor da derrota e da vitória.
Mas, para obter o sucesso no alto rendimento, não basta ter boa vontade. É
preciso tempo. E, mais que tempo, é
preciso investimento ao longo do tempo. Só que, no Brasil, esses anunciantes
que estão neste jornal hoje, orgulhosamente exibindo seus patrocinados, com
algumas poucas exceções, irão esquecê-los em um ou dois meses. Irão dizer, como ouvi várias vezes na minha vida esportiva, que "a verba de marketing está
comprometida". Porque sem a exposição na mídia ou sem um complemento,
um incentivo, não vale a pena investir.
Por isso defendo, com a mesma veemência que defendo a Lei de Responsabilidade Social do Esporte, uma lei de
incentivo ao esporte nos moldes da Lei
da Cultura. Em São Paulo estamos em
avançados estudos nesse sentido e o
próprio presidente Lula já disse que
apóia a iniciativa em nível nacional.
Para um Estado como o brasileiro, em
que as demandas do povo são ainda para suprir carências básicas, não creio
que seja papel do governo investir muito no alto rendimento; é nosso papel fazer o esporte educacional, social, terreno. Ao nosso mercado, tão desenvolvido, à nossa iniciativa privada, tão cosmopolita, cabe, com o incentivo do Estado, investir no esporte de elite. Penso
que o Estado será, por muito tempo ainda, o maior investidor na infra-estrutura esportiva, mesmo a de alto nível, mas
também aqui uma lei de incentivo poderia ser de grande valia, e em modalidades populares a parceria público-privada poderia ser um sucesso.
Por fim, não acredito que o esporte de
alto rendimento esteja sobrevalorizado;
pelo contrário, acho que, na realidade,
falta ainda muito para fazer por ele. O
que pode estar acontecendo é uma superexposição, até natural, em tempos
olímpicos. Como temos no país uma
mídia altamente desenvolvida e um
mercado publicitário ávido por surfar
na onda olímpica, ficamos com a impressão de que somos um país de campeões. Não somos. Temos, no máximo,
alguns excelentes em suas áreas, como
meu irmão Torben, que virou lenda em
Atenas, sendo o maior medalhista olímpico da vela mundial, com cinco conquistas. Ou o incrível Robert Scheidt.
Para sobrevalorizar o desporte de rendimento no Brasil ainda falta um caminho longo e árduo, como é o caminho
da vitória. E eu, sinceramente, espero
que em alguns anos possa estar aqui,
neste mesmo espaço, respondendo sim
à pergunta acima. Será sinal de que
muita coisa terá mudado. Eu, como cidadão, dirigente, atleta e brasileiro, estou disposto a mudar. E você?
Lars Schmidt Grael, 40, é secretário da Juventude, Esporte e Lazer do Estado de São Paulo e
membro do Conselho Nacional de Esportes. Foi
secretário Nacional de Esportes (2001-02).
Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Raul Milliet: Uma política de Estado para o esporte Índice
|