São Paulo, sábado, 28 de agosto de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Os esportes de alto rendimento são sobrevalorizados no Brasil?

NÃO

O exemplo vem do esporte

LARS GRAEL

A discussão, eterna, sobre o esporte de alto rendimento em contraposição ao esporte de base é, no Brasil, para dizer o mínimo, forçada. Falta esporte no nosso país, de qualquer tipo ou espécie, a despeito de alguns esforços pontuais de governos, dirigentes e entidades. Qualquer um que milita na causa desportiva sabe que, no Brasil, o esporte como um todo, afora o onipresente futebol, é relegado ao segundo plano. Exceção feita aos dias olímpicos, claro! Mas vamos analisar mais detidamente a questão do alto rendimento.
Antes de tudo, é preciso apontar o óbvio. Se houvesse a preocupação de usar o esporte como meio de inclusão social, de investir no seu papel social, a base ampliada de praticantes de todas as modalidades naturalmente forneceria a quantidade necessária para peneirar a tão sonhada qualidade. Ou seja, mesmo os ferrenhos defensores do esporte de base, de certo modo, auxiliam o esporte de alto rendimento. Não há um sem o outro. A grande pergunta é: por que o desempenho olímpico do Brasil está tão aquém do desejado? Só essa indagação já responde à pergunta acima.
Se o esporte de alto rendimento estivesse sobrevalorizado, nosso desempenho em competições de alto rendimento também estaria. E sabemos que não é o caso. Volto a dizer que não compartilho da idéia de que os esportes de rendimento e de base sejam mutuamente excludentes; são complementares.
Para falar em esporte de rendimento no Brasil é preciso antes falar do excelente papel que o COB vem desempenhando e do grande auxílio que a Lei Agnelo-Piva representa. Mas ainda é pouco. O esporte de alto rendimento mostra para o mundo o quanto uma nação é digna. De certa forma, é um atestado de sua civilidade. Os grandes heróis olímpicos servem de exemplo para o povo. Demonstram, com sua garra, vontade e superação, um caminho alternativo de sucesso. Um sucesso calcado no brio pessoal e no esforço em contraponto ao sucesso obtido sobre os outros, "contra" os outros, na famosa "Lei de Gérson". Mostram o espírito desportivo, o espírito olímpico, o valor da competição, o respeito pelo adversário, o valor da derrota e da vitória.
Mas, para obter o sucesso no alto rendimento, não basta ter boa vontade. É preciso tempo. E, mais que tempo, é preciso investimento ao longo do tempo. Só que, no Brasil, esses anunciantes que estão neste jornal hoje, orgulhosamente exibindo seus patrocinados, com algumas poucas exceções, irão esquecê-los em um ou dois meses. Irão dizer, como ouvi várias vezes na minha vida esportiva, que "a verba de marketing está comprometida". Porque sem a exposição na mídia ou sem um complemento, um incentivo, não vale a pena investir.
Por isso defendo, com a mesma veemência que defendo a Lei de Responsabilidade Social do Esporte, uma lei de incentivo ao esporte nos moldes da Lei da Cultura. Em São Paulo estamos em avançados estudos nesse sentido e o próprio presidente Lula já disse que apóia a iniciativa em nível nacional.
Para um Estado como o brasileiro, em que as demandas do povo são ainda para suprir carências básicas, não creio que seja papel do governo investir muito no alto rendimento; é nosso papel fazer o esporte educacional, social, terreno. Ao nosso mercado, tão desenvolvido, à nossa iniciativa privada, tão cosmopolita, cabe, com o incentivo do Estado, investir no esporte de elite. Penso que o Estado será, por muito tempo ainda, o maior investidor na infra-estrutura esportiva, mesmo a de alto nível, mas também aqui uma lei de incentivo poderia ser de grande valia, e em modalidades populares a parceria público-privada poderia ser um sucesso.
Por fim, não acredito que o esporte de alto rendimento esteja sobrevalorizado; pelo contrário, acho que, na realidade, falta ainda muito para fazer por ele. O que pode estar acontecendo é uma superexposição, até natural, em tempos olímpicos. Como temos no país uma mídia altamente desenvolvida e um mercado publicitário ávido por surfar na onda olímpica, ficamos com a impressão de que somos um país de campeões. Não somos. Temos, no máximo, alguns excelentes em suas áreas, como meu irmão Torben, que virou lenda em Atenas, sendo o maior medalhista olímpico da vela mundial, com cinco conquistas. Ou o incrível Robert Scheidt.
Para sobrevalorizar o desporte de rendimento no Brasil ainda falta um caminho longo e árduo, como é o caminho da vitória. E eu, sinceramente, espero que em alguns anos possa estar aqui, neste mesmo espaço, respondendo sim à pergunta acima. Será sinal de que muita coisa terá mudado. Eu, como cidadão, dirigente, atleta e brasileiro, estou disposto a mudar. E você?


Lars Schmidt Grael, 40, é secretário da Juventude, Esporte e Lazer do Estado de São Paulo e membro do Conselho Nacional de Esportes. Foi secretário Nacional de Esportes (2001-02).


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