São Paulo, segunda-feira, 28 de agosto de 2006

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JOÃO SAYAD

Desemprego

A MÍNIMA do dia ocorre entre três e quatro horas da manhã. Nenhum carro nas ruas; quem dorme tarde já foi dormir, quem acorda cedo ainda não acordou. Murcham até os sorrisos das modelos nos outdoors que, de madrugada, parecem suspender a gritaria irritante que fazem durante o resto do dia.
Então, podemos ver a cidade como se vê o rosto de uma pessoa querida dormindo, silenciosa, sem sorrisos, cenhos franzidos ou jeito de olhar.
A leste, Mooca, Brás, Belém e Belenzinho são lembranças do melhor período da cidade, que no passado era cheia de oportunidades.
Era lá que moravam os primeiros imigrantes. Lá se instalaram as primeiras fábricas de tecidos, sabões, velas e curtumes. Nos anos 60 e 70, no auge da industrialização, montadoras e grandes fábricas foram para o ABC e para a Dutra. Quando chegou a estagnação, a cidade começou a se espichar para o leste.
Como se os imigrantes de todo o país fossem formando uma longa fila à espera de empregos, cada vez mais longa, chegando além da Cidade Tiradentes. No fim da fila, lugares ainda mais pobres onde a polícia às vezes encontra vítimas de seqüestros em barracos espremidos entre vielas e córregos. Não há esperança, nesta geração, para o pessoal do fim da fila. Sobrou o crime como oportunidade.
Há uma outra fila ao sul, a partir da Serra do Mar, passando pela Guarapiranga e pela Billings. Antes era o bairro dos alemães que preferiam lugares distantes. Havia muitas árvores e umidade. Até hoje se diz que Santo Amaro é mais fria do que São Paulo. Não é mais verdade.
Não há mais árvores. A preocupação com o ambiente definiu a região das represas como área de preservação. Perderam valor, foram abandonadas e invadidas por favelas que poluem os reservatórios da cidade.
Nos anos 90, a cidade teve uma nova oportunidade. Resolvida a dívida externa, controlada a inflação, poderíamos voltar a crescer, diminuindo a fila de empregos dos paulistanos pobres de todos os quadrantes da periferia. Mas o câmbio sobrevalorizado não mexeu na cidade. A oportunidade serviu apenas para criar algumas butiques de grifes importadas na Oscar Freire.
Depois da desvalorização, outra oportunidade-o mundo todo cresce a 4%. Caímos na armadilha dos juros altos. Nada mudou na cidade.
Apenas os bancos, que haviam fugido da pobreza do centro para o espigão da Paulista, fugiram de novo descendo para a Faria Lima e depois para a Vila Olímpia. A sorte está onde sempre esteve, no cruzamento da oportunidade com a competência. Continuamos evitando essa esquina.
jsayad@attglobal.net


JOÃO SAYAD escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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