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JOÃO SAYAD
Desemprego
A MÍNIMA do dia ocorre entre
três e quatro horas da manhã. Nenhum carro nas
ruas; quem dorme tarde já foi dormir, quem acorda cedo ainda não
acordou. Murcham até os sorrisos
das modelos nos outdoors que, de
madrugada, parecem suspender a
gritaria irritante que fazem durante o resto do dia.
Então, podemos ver a cidade como se vê o rosto de uma pessoa
querida dormindo, silenciosa, sem
sorrisos, cenhos franzidos ou jeito
de olhar.
A leste, Mooca, Brás, Belém e Belenzinho são lembranças do melhor período da cidade, que no passado era cheia de oportunidades.
Era lá que moravam os primeiros
imigrantes. Lá se instalaram as primeiras fábricas de tecidos, sabões,
velas e curtumes. Nos anos 60 e 70,
no auge da industrialização, montadoras e grandes fábricas foram
para o ABC e para a Dutra. Quando
chegou a estagnação, a cidade começou a se espichar para o leste.
Como se os imigrantes de todo o
país fossem formando uma longa
fila à espera de empregos, cada vez
mais longa, chegando além da Cidade Tiradentes. No fim da fila, lugares ainda mais pobres onde a polícia às vezes encontra vítimas de
seqüestros em barracos espremidos entre vielas e córregos. Não há
esperança, nesta geração, para o
pessoal do fim da fila. Sobrou o crime como oportunidade.
Há uma outra fila ao sul, a partir
da Serra do Mar, passando pela
Guarapiranga e pela Billings. Antes
era o bairro dos alemães que preferiam lugares distantes. Havia muitas árvores e umidade. Até hoje se
diz que Santo Amaro é mais fria do
que São Paulo. Não é mais verdade.
Não há mais árvores. A preocupação com o ambiente definiu a região das represas como área de preservação. Perderam valor, foram
abandonadas e invadidas por favelas que poluem os reservatórios da
cidade.
Nos anos 90, a cidade teve uma
nova oportunidade. Resolvida a dívida externa, controlada a inflação,
poderíamos voltar a crescer, diminuindo a fila de empregos dos paulistanos pobres de todos os quadrantes da periferia. Mas o câmbio
sobrevalorizado não mexeu na cidade. A oportunidade serviu apenas para criar algumas butiques de grifes importadas na Oscar Freire.
Depois da desvalorização, outra
oportunidade-o mundo todo cresce a 4%. Caímos na armadilha dos
juros altos. Nada mudou na cidade.
Apenas os bancos, que haviam fugido da pobreza do centro para o
espigão da Paulista, fugiram de novo descendo para a Faria Lima e
depois para a Vila Olímpia. A sorte
está onde sempre esteve, no cruzamento da oportunidade com a
competência. Continuamos evitando essa esquina.
jsayad@attglobal.net
JOÃO SAYAD escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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