São Paulo, Sábado, 28 de Agosto de 1999
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O governo FHC saiu desgastado da marcha das oposições sobre Brasília?

NÃO
Perdeu quem marchou sem norte

ARTHUR VIRGÍLIO NETO

Sem dúvida o governo não saiu desgastado. Afinal, a marcha, que foi pacífica, reuniu número pouco significativo de manifestantes, comparativamente aos ônibus fretados e à sofisticada logística empenhada. Foram cerca de 30 mil ou 35 mil pessoas, lideradas por facções divergentes entre si, que, na sua parte mais expressiva, tiveram de recuar do discurso golpista inexequível e patético.
Desgastadas saíram as oposições, que não conseguiram apresentar nenhuma alternativa concreta às políticas formuladas e executadas pelo governo federal. E que não contaram com a presença, à exceção do gaúcho Olívio Dutra, dos governadores, dos que trabalham os dados do mundo real, no evento. Dois deles -Jorge Viana e Ronaldo Lessa, respectivamente do PT-AC e do PSB-AL-, por sinal, criticaram corajosamente a inoportunidade e a inconveniência do ato público.
Desgastado saiu Luiz Inácio Lula da Silva, repetindo um discurso cansado de guerra, que já causou, nos bons tempos, muito frisson em setores que viam na irreverente ingenuidade do bravo líder metalúrgico uma forma exótica de purgar as próprias culpas. Em vez de exibir a face do dirigente maduro e sereno diante de momento grave da nacionalidade, Lula optou por se render, outra vez, aos seus incômodos xiitas, desmontando um trabalho de reconstrução da imagem que há anos vem sendo tentado.
Desgastada ficou a atitude autoritária de confundir 1 milhão de assinaturas com a representação verdadeira e legítima do conjunto dos brasileiros. 170 milhões de habitantes -106 milhões de eleitores- de repente são substituídos por número insignificante de signatários de um pretexto vazio -o da tal CPI da Telebrás-, na viagem delirante de quem deveria acreditar mais na democracia.
Desgastada ficará, ainda mais, a parte da -vá lá!- esquerda brasileira que tem escrito artigos e entoado loas ao coronel Hugo Chávez, que vai, pouco a pouco, implantando regime autoritário na Venezuela. Foi buscar, no túnel do tempo, exemplar do mais cabal militarismo latino-americano, para afrontar as luzes promissoras do terceiro milênio. No desespero de não ter programa nem norte, mergulhou no exemplo irresponsável de populismo que a melhor consciência subcontinental pensava ter enterrado.
O presidente Fernando Henrique, bem ao invés, reafirmou seu compromisso com a tolerância e com as liberdades. Reagiu, pela palavra dos seus líderes congressuais, contra os inocentes úteis que falaram em interrupção de um mandato conquistado nas urnas, com 13 milhões de votos sobre o segundo colocado. Melhor ainda: repisou sua aversão a golpes, golpismos e golpistas, mostrando ao país o compromisso de que jamais se afastaria, ele próprio, nem um milímetro sequer, dos caminhos constitucionais.
Aberto a discutir sugestões e propostas concretas que possam, quem sabe, vir das oposições, o presidente só não poderia mesmo era debater o vazio, o inócuo e a generosidade ingênua e populista de quem propõe o paraíso social sem se dispor, por exemplo, a enfrentar o desafio de reformar a Previdência e viabilizar o ajuste fiscal.
A impressão que certos segmentos opostos ao governo me passam é lamentável: "Vamos agir logo, senão as coisas melhoram". Aí, quanto pior melhor. Intuem que a crise está sendo derrotada: começam, timidamente ainda, a cair as taxas de desemprego; a produção industrial sofre incremento; a inflação fica em um dígito; os investimentos estrangeiros, de longo prazo -não temos contado com os capitais voláteis-, já somam quase US$ 20 bilhões; este semestre já é de crescimento; 2000, 2001 e 2002 crescerão a, pelo menos, 4% ou 5% anuais.
Tudo que precisamos fazer é tornar coesa a base de apoio ao presidente e votar, com presteza, a reforma da Previdência, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a reforma tributária, entre outros poucos pontos essenciais. Ou seja, tudo aquilo que nossos bravos marchadores julgam "prejudicar o Brasil" e submeter-nos ao jugo do FMI.
Proponho novo balanço em dezembro e mais um em julho de 2000. Será bem fácil, a partir daí, verificarmos se a consequência está com a coluna "Não" (a minha) desta edição da Folha ou com a coluna "Sim", que deverá vir embalada pela manifestação aconchegante, porque reduzida, da passeata dos ônibus fretados.


Arthur Virgílio Neto, 53, é deputado federal (PSDB-AM) e líder do governo no Congresso Nacional. Foi prefeito de Manaus (1989-93).



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