São Paulo, sexta-feira, 28 de setembro de 2007

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Vale-tudo federal

PMDB de Renan derrota Lula e rebaixa mais o nível da negociação política na capital, bem ao estilo da sessão secreta do Senado

NINGUÉM freqüenta o Senado Federal a passeio. Se esta verdade pedestre já não estava evidente para todos, a rejeição da medida provisória que criava a Secretaria de Planejamento de Longo Prazo (presenteada por Lula a Roberto Mangabeira Unger) deve ser o bastante para convencer incautos de que o Senado de Renan Calheiros não está para brincadeiras. O que na Casa se faz, e se barganha, ali mesmo se paga.
O presidente do Senado, mais vivo do que nunca, colhe os frutos do novo rebaixamento de costumes políticos propiciado por sua absolvição em sessão secreta. Se a ausência de decoro segue assim impune, como garantido por 40 votos e 6 abstenções na infame deliberação, desaparece também até mesmo o pudor de manusear de modo acintoso as moedas de troca vigentes na câmara alta do Parlamento nacional: vantagens (cargos e verbas) e proteção mútua.
Não há explicação honrosa para a derrota da Presidência na votação da medida provisória. Ou foi retaliação de Calheiros por perceber-se abandonado no sereno pelo Planalto, ou foi insatisfação do PMDB por ser preterido no preenchimento de diretorias da Petrobras -ou, o que é mais provável, ambas as coisas. Tem certa razão Lula ao dizer, agora, que não houve barganha: por entender o mesmo é que seus parceiros de coalizão lhe aplicaram o passa-moleque.
Mangabeira Unger, ao ver a sinecura perder-se num horizonte tão incerto quanto o futuro de sua secretaria, pode ao menos consolar-se com o óbvio: nada houve de pessoal na decisão. O filósofo terminou preterido só porque sua pasta representava ocasião significativa para o PMDB do Senado alvejar o presidente da República, derrubando ato de grande repercussão folclórica mas nenhum efeito prático (ao menos no curto prazo).
Cargos por cargos (e estavam em jogo mais de 600 deles), vantagens por vantagens, o recado dos senadores é que eles tampouco abrem mão da parte que lhes cabe no latifúndio estatal. Distribuíram-se as fichas da locupletação generalizada.
Lula pode tentar dourar a pílula amarga que teve de engolir e dizer que a democracia é como um jogo, no qual se perde e se ganha. Nem por isso fica isento da co-responsabilidade de erigir a política em jogo de azar, no qual o interesse público leva sempre a pior. Afinal de contas, foi com votos e omissões de seu partido, se não sob orientação direta do palácio, que Renan Calheiros obteve a proteção exigida em paga de serviços passados. Blefou, apostou alto e ganhou a rodada, livrando-se da cassação. É provável que se considere cacifado para permanecer presidente do Senado e que por isso tenha dobrado as apostas.
Não será surpresa alguma se elas continuarem subindo entre os muitos jogadores profissionais do PMDB e de outros partidos, estimulados todos pela atmosfera de cassino que se espraia em Brasília. Na votação da CPMF, Lula literalmente terá de pagar para ver. E vale tudo.


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