São Paulo, sexta-feira, 28 de setembro de 2007

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JOSÉ SARNEY

Boas instituições, bons frutos

EM TODAS AS crises políticas brasileiras, as pequenas e as grandes, a primeira idéia que surge é de concertar o que os costumes não consertaram, com nova legislação. Legisla-se para tudo, a toda hora, e sempre se pedem mais leis. O resultado é que, de tantas leis, terminamos por viver sem leis.
José Honório Rodrigues, o grande historiador moderno do Brasil -e outro dia me advertiram que ele não estava mais sendo editado-, tem um estudo sobre "Conciliação e Reforma no Brasil", no qual aborda as muitas reformas que foram propostas e as nenhumas reformas que foram feitas.
A primeira grande voz a clamar por reforma antes que viesse a revolução foi o conselheiro Nabuco de Araújo. Muitas delas não vieram, e a única e grande revolução que verdadeiramente se reconhece como feita foi a Abolição da Escravatura, porque atingiu a estrutura da sociedade. As outras eram somente destinadas às elites.
Quando se fala de voto e transparência, por exemplo, no tempo da colônia, os eleitores eram contados excluindo os judeus, os não-católicos, os soldados e até os nascidos em Portugal, mas os analfabetos votavam.
A República, que devia ser fundada na cidadania -e o principal direito do cidadão é constituir seu autogoverno-, acabou com o voto dos analfabetos: o nosso Ruy Barbosa, tão patriota e tão civilista, defendeu e colocou na Constituição a proibição de que eles votassem. E assim ficaram, atravessando quatro constituições, 34, 37, 46, 67, excluídos do colégio eleitoral. O argumento era que o desejo de votar estimularia as pessoas a aprender. Isso nunca funcionou, e o analfabetismo ficou como uma grande chaga na população brasileira.
Agora é, mais uma vez, hora da discussão da reforma política, que não vai sair nunca, porque a confortável eleição do voto proporcional uninominal não deixa que as coisas mudem. Os partidos não existem porque não existe um sistema moderno de sufrágio. Não existindo os partidos, não pode existir fidelidade partidária, não se pode ser fiel ao que não existe. Mas se quer uma lei que obrigue a fidelidade partidária. Acabe-se com o voto proporcional que não precisa de lei para fidelidade, porque os partidos vão existir e quem sair do partido não se elegerá mais.
É esse sistema eleitoral o responsável pela corrupção, pela degradação dos costumes políticos, pelo abuso do poder econômico e por todas as mazelas que existem na política nacional.
Os homens podem corromper as instituições, mas podres instituições dificilmente criam bons frutos.


jose-sarney@uol.com.br

JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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