São Paulo, domingo, 28 de setembro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

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A alma brasileira em exposição

JOSÉ ROBERTO MARINHO

O Museu do Futebol é também museu da história do Brasil, da nossa cultura, do esporte, mas é sobretudo do nosso sentimento

NÃO HÁ dúvida de que a paixão pelo futebol seja, senão o principal, um dos traços culturais que distinguem o Brasil e nós, os brasileiros.
Ao inventar a bicicleta, Leônidas da Silva inventou também o Brasil moderno. Como Villa-Lobos inventou o Brasil ao dar forma à moderna música brasileira. Como o Brasil foi reinventado quando Nelson Rodrigues levou o país real ao palco. Ou quando Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda nos interpretaram, Guimarães Rosa nos revelou em prosa, Drummond, em verso, e quando Mario de Andrade desbravou nossa cultura popular.
Em pleno furor antropofágico, nossos heróis nacionais -gente como Friedenreich, Domingos da Guia, Pelé- transformaram um esporte britânico, aristocrático e branco numa paixão brasileira, popular e mestiça. O Brasil pegou uma matéria-prima inglesa, o futebol, e devolveu um sofisticado produto cultural, o futebol-arte. E o futebol ajudou a criar, sim, sem qualquer exagero ou demagogia, o Brasil moderno. Somos indistinguíveis de nossa relação de berço com o futebol. Como diz o jornalista Leonel Kaz, o predomínio internacional no futebol foi talvez a única batalha (e uma batalha pacífica) em que o povo brasileiro entrou e venceu.
O Museu do Futebol, que inauguramos amanhã no estádio do Pacaembu, celebra essa conquista, essa paixão, essa reinvenção do Brasil. Trata-se de um museu essencialmente popular. Como popular é o Museu da Língua Portuguesa. Quando o inauguramos, dois anos e meio atrás, imaginei uma cena que, ainda que inusitada, parece-me precisa: qualquer um de nós, lusoparlantes, poderia ser "exposto" no museu da língua e observado na maneira de falar, de escrever, de pensar, de sonhar.
Transportando essa imagem para o Museu do Futebol, o que podemos expor de qualquer brasileiro é a emoção, o sentimento de pertencimento, o amor pelo clube, a saudade das peladas de rua, o delírio pela seleção, o encontro com os amigos, a emoção de ser levado de mãos dadas com o pai pela primeira vez a um estádio...
O Museu do Futebol é também um museu da história do Brasil, da cultura brasileira, do esporte, mas é fundamentalmente do nosso sentimento.
Nós da Fundação Roberto Marinho respiramos o Museu do Futebol há mais de três anos. Foi uma ousada iniciativa da Prefeitura de São Paulo, na gestão do então prefeito José Serra, e contou com a indispensável parceria do governo do Estado e de empresas privadas do porte de AmBev, Santander, Telefônica, TV Globo e Visa, além do apoio de dezenas de outras empresas e instituições públicas e privadas.
E qualifico como ousada querendo dizer exatamente isso: senão imaginem a responsabilidade de construir um museu dedicado à maior paixão do país e num templo dedicado a ela, como o Pacaembu.
Optamos por enfrentar esse desafio como fizemos no Museu da Língua Portuguesa: criando um espaço expositivo totalmente contemporâneo, utilizando de todos os meios e tecnologias disponíveis e reunindo um time de talentos brasileiros tão habilidosos quanto os craques que queríamos celebrar. Assim, chamamos Leonel Kaz, especialista em cultura brasileira e autor do livro "Brasil, um Século de Futebol, Arte e Magia", para a curadoria de conteúdo, que concebeu essa trajetória paralela entre a história do futebol e a história do Brasil do século 20 e liderou um grupo de especialistas no esporte e em outras áreas do saber brasileiro.
O arquiteto Mauro Munhoz foi o responsável pela audaciosa intervenção arquitetônica num prédio histórico e tombado. Seu projeto revela ao público as imponentes estruturas do Pacaembu e nos permitiu criar um museu do futebol no avesso da arquibancada, espaço tão fascinante quanto simbólico. Um museu sobre futebol num espaço em que se vive o futebol faz com que, de forma sempre natural, o objeto invada a todo o tempo a sua representação.
A cenógrafa e cineasta Daniela Thomas e o arquiteto Felipe Tassara criaram a museografia. Trouxeram, de forma criativa, o conceito do mobiliário urbano para o museu. Respeitando a lógica arquitetônica de um estádio, criaram peças exclusivas, esculturas de ferro emoldurando as mais modernas tecnologias expositivas.
O resto é pura paixão, nossa relação sentimental com o futebol. No fundo, o que vamos ver no Museu do Futebol é a nossa alma em exposição.


JOSÉ ROBERTO MARINHO, 52, jornalista, é presidente da Fundação Roberto Marinho e vice-presidente das Organizações Globo.


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