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MARINA SILVA
Filhos
do Brasil
RECENTEMENTE, quando estive em Salvador para receber honrosa homenagem da
Universidade Federal da Bahia, conheci o Cria, uma organização não
governamental que se dedica a formar crianças e adolescentes para,
por meio da arte, transformarem a
si mesmos e suas comunidades.
Foi emocionante vê-los numa
apresentação teatral, se apropriando tão bem da linguagem, da expressão corporal, da capacidade de
metaforizar sua realidade e também de contar a própria história, às
vezes dolorosa, mas não como repetição do trauma, do beco sem
saída. Vi crianças falando da ausência do pai, mas valorizando o papel
da mãe, como alguém que trabalha,
ampara, fica junto, dá força. E tudo
de forma lúdica, como história não
só do sofrimento, mas das boas
descobertas na família e em todos
os espaços da vida que despertam a
vontade de ter um lugar no mundo.
Muitas ONGs têm papel essencial de mediadoras na formação de
crianças e jovens. Ajudam-os a traduzir a realidade e a querer interferir nela, marcando sua forma de
aprender e de expandir seu saber.
E por que a própria escola no Brasil
não o faz? Não basta demandar
mais dinheiro para a educação.
Crianças não são estatísticas. São
seres humanos que precisam da
mediação correta, desde a primeira
infância, para construírem sua trajetória de forma digna e autônoma.
Os indicadores relativos à infância têm melhorado, ainda que lentamente, mas algo substantivo não
mudou. Os dados da última pesquisa domiciliar do IBGE (Pnad) mostram que meninos e meninas demoram a entrar na escola e, quando entram, nem sempre aprendem
a ler ou a escrever corretamente
ou, se o fazem, não transformam
essa habilidade em desejo pelo conhecimento.
Um artigo recente do médico
João Augusto Figueiró alerta para
o grande desafio que temos em relação às nossas crianças e adolescentes. "Todos nós construímos
um mapa da realidade a partir das
experiências vividas na infância",
diz ele.
A construção de um país também tem a ver com a maneira pela
qual a infância é valorizada e protegida. Isso é muito mais do que usar
ferramentas econômicas adequadas. Está na hora de os governantes
ficarem de olho em experiências
como a do Cria e tantas outras que
precisam ganhar a escala das políticas públicas.
Talvez aí esteja o mistério do gigante adormecido que começa a
despertar, mas ainda não entende
bem o que o deixou letárgico por
tanto tempo. A resposta pode estar
perto, numa das inúmeras esquinas belas e criativas do Brasil, onde
muita gente oferece seu esforço,
ávido do maior reconhecimento
que existe, que é o de saber que ajuda a tornar o país melhor.
contatomarinasilva@uol.com.br
MARINA SILVA escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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