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Mordaça
Censura à imprensa, como a que se viu no Tocantins, atropela a Constituição e desperta dúvidas acerca da autonomia de magistrados
Na última sexta-feira, o desembargador Liberato Póvoa, do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Tocantins, determinou que
oito jornais, 13 emissoras de TV,
cinco sites, 39 rádios comunitárias
e 24 rádios comerciais fossem
proibidos de veicular informações
que relacionem o governador Carlos Gaguim (PMDB), candidato à
reeleição, com um suposto esquema de corrupção averiguado pelo
Ministério Público de São Paulo.
A medida liminar atendeu a
uma ação da aliança eleitoral de
Gaguim, que tem o apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e
da candidata petista Dilma Rousseff. Relatório reservado do Ministério Público, que investiga irregularidades em prefeituras de São
Paulo e daquele Estado, indica
que o governador teve participação direta em fraudes de licitações
públicas, que chegariam a mais de
R$ 600 milhões. Oito pessoas já
foram presas.
Ao decidir pela censura prévia,
vedada pela Constituição, o magistrado argumentou que a investigação corre sob sigilo judicial e
que as reportagens foram publicadas após o furto de um computador do Ministério Público, no qual
estariam guardadas informações
acerca do caso. Ele considerou
que as notícias "difamatórias"
têm por objetivo "promover a balbúrdia eleitoral" em seu Estado.
Balbúrdia -no sentido de "situação confusa, trapalhada, complicação"- é o que alguns representantes da Justiça Eleitoral têm
promovido em casos como esse. É
evidente a importância dos tribunais eleitorais para coibir desvios,
como o abuso de poder e a compra
de votos, mas isso não se confunde com investidas para cercear a
divulgação de fatos e controlar os
meios de comunicação, a quem
não cabe zelar pelo sigilo de relatórios de procuradores.
O episódio, diga-se, não é isolado. Decisões judiciais, de cunho
eleitoral ou não, têm em muitos
casos procurado blindar políticos
e autoridades do noticiário da imprensa, colocando em dúvida a indispensável independência entre
os poderes.
Não faz muito, veio de Roraima
o caso de um jornalista que foi
multado pela Justiça Eleitoral de
seu Estado por divulgar mensagens eletrônicas criticando o governador José de Anchieta Jr.
(PSDB), candidato à reeleição. Enquadrado por ter incorrido em
"propaganda eleitoral negativa",
o profissional foi proibido de citar
o nome do mandatário.
Mais ruidoso foi o veto que se
impôs, com base em anacrônico
dispositivo da legislação, à sátira
política em programas de humor
-oportunamente suspenso pelo
Supremo Tribunal Federal.
É uma característica essencial
do ambiente democrático a livre
circulação de opiniões contrárias
ou favoráveis a candidatos. Não é
função da Justiça coibir a crítica, o
debate e a informação. Para casos
de injúria, calúnia e difamação
pode-se recorrer ao Código Penal.
Mais do que contribuir para a
crescente e indesejável judicialização da política, providências
como a do desembargador do Tocantins representam uma tentativa de reviver a odiosa instituição
da censura -e por isso precisam
ser rechaçadas.
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