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CARLOS HEITOR CONY
Enfim, a solução
RIO DE JANEIRO - Não lhe guardei
o nome, o número e o partido. Guardei apenas a cara, uma cara subdesenvolvida. Poderia ser a de um
figurante anônimo num filme do
Cinema Novo. Durou poucos segundos na tela, mas houve tempo
para dar o seu recado: "Eu sou a
solução!"
Como não citou nenhum problema, entendi plenamente o seu recado. É dele que precisamos. Os demais candidatos se limitam a explicitar nossas mazelas, as valas negras, o corredor dos hospitais
cheios de macas com doentes, escolas em frangalhos, queimadas no
interior e tiroteios nas cidades, enfim, a nossa realidade. Realidade
que é como o pão daquela prece
cristã: a violência de cada dia.
Achei que a mensagem do candidato era positiva. Ele não afirmou
que traria a solução para os problemas, mas que era, em si mesmo, a
solução. Tinha nome, número, partido, provavelmente teria um CPF,
endereço sabido, estado civil, tudo
o que forma um cidadão em carne
e osso.
O mal da democracia representativa é que ela se torna abstrata demais, conceitual. É um tesouro escondido que ninguém consegue
achar. Por exemplo: acabar com a
corrupção, a miséria, baixar os juros, criar empregos para todos.
O que precisamos não é de soluções, mas de "solução" pura e simples. À medida que as soluções são
anunciadas, elas deixam de ser soluções e passam a ser problemas
para todos, principalmente para
aqueles que as propõem.
Outro dia, encontrei no largo da
Carioca um sujeito de túnica branca e bordão em forma de cruz. Gritava para o mundo: "Eu sou a porta".
Pensei em desdenhá-lo, mas parei
para ouvir o que ele tinha a dizer.
Ele só repetia que era porta.
No fundo, era o anúncio para o
candidato que resolveu a questão,
dizendo que era a solução, provavelmente atrás da porta.
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