São Paulo, quarta-feira, 28 de setembro de 2011

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Pelo pragmatismo no combate às drogas

FERNANDO GROSTEIN ANDRADE


Alguém acha que um dia não vai mais haver quem queira alterar a consciência? Por que repisar o impossível, a erradicação da oferta?


Não sou especialista, mas algumas coisas ficaram claras ao entrevistar 178 pessoas pelo mundo para o filme "Quebrando o Tabu". Ouvi de narcoguerrilheiros a dependentes, de médicos honestos a picaretas, policiais idôneos ou corruptos, prostitutas, artistas, presidentes, detentos e republicanos.
Quer ganhar uma eleição? Basta declarar guerra às drogas. Insistimos nisso há 40 anos. Dependentes continuam dependendo; violência, corrupção e drogas são ilegais, mas estão cada vez mais disponíveis e perigosas.
É a lei da oferta e da demanda. Alguém ainda acha que um dia não vai mais existir gente querendo alterar a consciência? Por que repisar o impossível, a erradicação da oferta? Porque rende votos, rende dinheiro para a indústria de armas -e de quebra, ainda serve para encoleirar aqueles que alguns veem como "indesejados".
Vamos encarar a questão de frente. Uma opção é transferir a oferta dos barões, lacaios e peões, que visam ao lucro a todo custo, para as mãos dos médicos, empenhados em proteger a saúde, oferecer tratamento e, de fato, desestimular a demanda. Isso valeria especialmente para os dependentes ou usuários.
Para os que não entram nessas categorias, a chave é a prevenção. Mas não adianta vir com campanhas feitas por policiais e psicólogos caretas querendo brincar de Halloween. Não funciona.
São quatro os pontos fundamentais. As substâncias são diferentes. Crack e maconha são tão iguais quanto lenha e plutônio. A contextualização é fundamental. Caipirinha com amigos é uma coisa. Pinga para trabalhar é outra. Há que considerar também a frequência. Fumar um baseado no Réveillon é diferente de fumar três vezes ao dia.
E, finalmente, cada organismo opera de uma forma. Para uns, uma cachaça não tem nada de mais, para outros é o começo da ruína com o alcoolismo. Idem para a relação de causa e efeito entre um baseado e a esquizofrenia.
E não adianta querer se enganar. Existe, sim, um nível de consumo (muito difícil de definir) em que algumas drogas podem não fazer mal. O que jamais significa que não existe perigo.
Mais importante é perceber que todos temos nossas angústias e crises -um fogo que pode queimar ou levar adiante. Por isso, quadras de esporte na periferia, orquestras como o Projeto Guri, aulas de teatro, mangá ou computação, livros, cinema, terapia e até religião são, sim, poderosos mecanismos preventivos.
Por último, não é coincidência que, tanto no Brasil quanto nos EUA, a maior parte dos presos cumpra pena por tráfico de drogas e seja afrodescendente. É racismo, velado ou inconsciente, mas as evidências empíricas são claras.
Aquela moça com dez quilos de pó não é a dona. É "mula". Depois de presa, são altas as chances de se graduar na bandidagem. Ou alguém acha que dependente se reabilita na cadeia? Aí dizem que não tem dinheiro para tratar. Há dinheiro para prender, mas não para tratar? Não é obvio que mais barato do que prender é tratar, incluir?
Temos que aprender com ONGs como o AfroReggae, que reabilita em vez de marginalizar.

FERNANDO GROSTEIN ANDRADE é cineasta e sócio da produtora Spray Filmes; dirigiu os documentarios "Quebrando o Tabu" e "Coração Vagabundo".

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br




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