São Paulo, domingo, 28 de outubro de 2001

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HÁ 21 DIAS

Desde o dia 7 de outubro, o território afegão é bombardeado quase diariamente pelas Forças Armadas norte-americanas e britânicas. O passar do tempo, os resultados por ora frustrantes da ação, a proliferação de notícias, relatos e imagens sobre vítimas civis, o aumento das rusgas que ameaçam romper a coalizão internacional na qual a ofensiva se sustenta e, até, o ambiente de virtual pânico que se instalou nos Estados Unidos acerca do bioterrorismo são alguns fatores que começam a minar o apoio a um prolongamento da ação militar.
Se vale como regra a trajetória de outros conflitos em que os militares norte-americanos estiveram envolvidos, é de esperar que não resista ao tempo uma convergência tão forte quanto a que transformou George W. Bush, cuja eleição esteve eivada de dúvidas, numa liderança inconteste nos EUA. Basta lembrar que o pai de Bush, então presidente norte-americano, iniciou com amplo respaldo popular a ofensiva militar contra o Iraque, em janeiro de 1991. Vinte e um meses depois, perdia a reeleição para o democrata Bill Clinton.
Em favor de Bush filho, diga-se que nunca na história os Estados Unidos sofreram um ataque tão devastador quanto o que assassinou, em minutos, cerca de 5.000 pessoas. Mas o que se vai impondo como realidade é o que, no início, apenas a retórica das autoridades de Washington registrava como lugares-comuns. O terrorismo que elaborou e perpetrou os atentados suicidas não tem pátria, não está confinado em território nenhum. Tampouco sua capacidade de causar estragos pode ser anulada pela ação militar convencional.
Se a proposta da ofensiva das Forças Armadas de EUA e Reino Unido era a de liquidar o grupo terrorista Al Qaeda e remover os radicais talebans do poder, a ausência de resultados mais visíveis até agora -seja a captura de Osama bin Laden e asseclas, seja a derrota do Taleban- permite questionar a sua efetividade. A progressiva vitimização da população civil -inclusive de crianças- põe em discussão a legitimidade do prolongamento dos bombardeios maciços.
O presidente George W. Bush declarou, no início do conflito, que o que ele liderava não era uma ofensiva contra o povo afegão, mas sim contra os terroristas e o regime que lhes dá guarida, o Taleban. Pois os norte-americanos terão oportunidade de pôr à prova esse belo discurso.
Proveio da mais alta autoridade das Nações Unidas para os direitos humanos, Mary Robinson, a proposta de que os EUA suspendam os bombardeios ao Afeganistão para que a ajuda humanitária possa chegar com efetividade à região. A entrada do inverno, rigorosíssimo em boa parte daquele país, se soma às condições já bastante miseráveis e precárias de uma população sob fogo intenso e se torna ameaça direta à vida de milhares de pessoas inocentes.
Deixar que uma massa de civis sucumba de fome e de frio não está previsto no "mandato moral" para perseguir seus agressores que os EUA obtiveram na trágica manhã daquela terça-feira, 11 de setembro.


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