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São Paulo, terça-feira, 28 de outubro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Executivo e a reforma do Judiciário

SÉRGIO RENAULT

O Poder Judiciário precisa se modernizar para prestar mais e melhores serviços à população brasileira.
A ineficiência da máquina pública a serviço da Justiça traz enormes prejuízos ao país: torna a prestação jurisdicional inacessível à maior parte da população; transforma a vida dos que têm acesso ao Judiciário numa luta sem fim pelo reconhecimento de direitos; dificulta o exercício profissional de advogados, advogados públicos, membros do Ministério Público, defensores públicos e serventuários da Justiça; pune injustamente os magistrados em sua missão de fazer justiça; e inflaciona o custo Brasil.
O mau funcionamento do Judiciário interessa aos que se valem de sua ineficiência para não pagar, para não cumprir obrigações, para protelar, para ganhar tempo; mas não interessa ao país.
A constatação de que a nação necessita de um Poder Judiciário fortalecido e mais eficiente exige que o assunto faça parte das preocupações de um governo eleito democraticamente para tratar das questões de interesse do país. É por isso que o governo Lula definiu como uma de suas prioridades a reforma do Judiciário e criou uma secretaria, no Ministério da Justiça, a fim de participar do debate que se trava na sociedade. A inexistência de um órgão central com competência legal para articular e coordenar as discussões sobre o Judiciário, com suas diversas instituições federais e estaduais, fortaleceu a convicção de que o governo tem um papel a cumprir.
O governo não irá conceber -nem seria razoável que o fizesse- uma proposta de reforma a partir do Executivo para ser implementada no Poder Judiciário. É inquestionável a necessidade de respeitar os princípios constitucionais da separação dos Poderes e da independência e autonomia dos magistrados como necessários à própria consolidação da democracia. No entanto o respeito a esses princípios fundamentais, inscritos em cláusulas pétreas da Constituição, não deve afastar o governo do cumprimento de suas obrigações nem o Judiciário de seus desígnios mais nobres. O governo pretende manter interlocução com os membros do Judiciário para possibilitar a implementação conjunta de projetos comuns, imbuídos do espírito de que a reforma deve buscar o fortalecimento das instituições e o aperfeiçoamento democrático do país.
A contribuição que o governo pode e quer dar restringe-se à possibilidade de colaborar para a modernização do Judiciário e a melhor prestação jurisdicional. Não se deve subestimar a capacidade do governo federal de articular iniciativas, de elaborar propostas para serem debatidas com o Judiciário, de induzir mudanças para o melhor funcionamento da administração pública, em benefício da cidadania, e de apoiar alternativas de financiamento para projetos de modernização gerados no próprio Poder Judiciário.
Por essa razão, o governo está viabilizando recursos da iniciativa privada para valorizar projetos de modernização concebidos por magistrados e suas entidades representativas. Um deles é o Prêmio Innovare - O Judiciário do Século XXI -parceria entre a Associação dos Magistrados Brasileiros, a FGV Direito Rio, a Vale do Rio Doce e o Ministério da Justiça para premiar juízes que apresentem as melhores propostas de modernização de gestão do Judiciário.


O mau funcionamento do Judiciário interessa aos que se valem de sua ineficiência para não cumprir obrigações

A reforma do Judiciário passa pela modernização de sua gestão, com a incorporação de novas tecnologias de informação, padronização de procedimentos racionais, simplificação de sistemas operacionais, capacitação de pessoal e desburocratização. Não se pretende inventar a roda. Pretende-se captar as melhores experiências de gestão, valorizá-las, torná-las públicas e implementá-las em outros locais. Muitos juízes pelo país afora já implementaram iniciativas inovadoras, que demonstram a possibilidade real de melhoria de funcionamento da máquina administrativa -sem alterações legislativas.
Deve-se reconhecer com clareza a posição do poder público em relação ao Judiciário. O Estado é o maior cliente do Poder Judiciário -cerca de 80% dos processos que tramitam nos tribunais superiores tratam de interesses do governo. Deve-se, portanto, buscar a definição de uma nova conduta do governo em relação aos órgãos judiciais, através de medidas que inibam a impetração de ações ou recursos sobre matérias com jurisprudência razoavelmente pacificada. Assim, o Executivo faz sua parte na difícil tarefa de conciliar a necessidade de descongestionamento do Judiciário com a garantia do amplo direito de defesa dos cidadãos.
O governo deve também contribuir nas discussões sobre as alterações legislativas infraconstitucionais e constitucionais necessárias para o aperfeiçoamento do Poder Judiciário. Mudanças na legislação infraconstitucional podem acelerar os processos judiciais. A instituição de procedimentos de solução alternativa de conflitos, a diminuição do número de recursos, a simplificação do processo de execução e o fortalecimento dos juizados especiais são algumas dessas medidas.
A reforma constitucional do Judiciário, em tramitação no Congresso Nacional, não trará solução para grande parte dos problemas mais urgentes relativos à ineficiência e à demora na tramitação dos processos. Deverá trazer, isso sim, maior democratização e transparência do Judiciário, fundamentais para o fortalecimento da instituição e da própria democracia. A participação do governo nesse debate se dá com a apresentação clara, firme e respeitosa de suas posições, para que sejam discutidas com toda a sociedade e no Congresso.

Sérgio Rabello Tamm Renault, 44, advogado, é secretário de Reforma do Poder Judiciário do Ministério da Justiça.


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