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TENDÊNCIAS/DEBATES
O Executivo e a reforma do Judiciário
SÉRGIO RENAULT
O Poder Judiciário precisa se modernizar para prestar mais e melhores serviços à população brasileira.
A ineficiência da máquina pública a
serviço da Justiça traz enormes prejuízos ao país: torna a prestação jurisdicional inacessível à maior parte da população; transforma a vida dos que têm
acesso ao Judiciário numa luta sem fim
pelo reconhecimento de direitos; dificulta o exercício profissional de advogados, advogados públicos, membros do
Ministério Público, defensores públicos
e serventuários da Justiça; pune injustamente os magistrados em sua missão de
fazer justiça; e inflaciona o custo Brasil.
O mau funcionamento do Judiciário
interessa aos que se valem de sua ineficiência para não pagar, para não cumprir obrigações, para protelar, para ganhar tempo; mas não interessa ao país.
A constatação de que a nação necessita de um Poder Judiciário fortalecido e
mais eficiente exige que o assunto faça
parte das preocupações de um governo
eleito democraticamente para tratar das
questões de interesse do país. É por isso
que o governo Lula definiu como uma
de suas prioridades a reforma do Judiciário e criou uma secretaria, no Ministério da Justiça, a fim de participar do
debate que se trava na sociedade. A inexistência de um órgão central com competência legal para articular e coordenar
as discussões sobre o Judiciário, com
suas diversas instituições federais e estaduais, fortaleceu a convicção de que o
governo tem um papel a cumprir.
O governo não irá conceber -nem
seria razoável que o fizesse- uma proposta de reforma a partir do Executivo
para ser implementada no Poder Judiciário. É inquestionável a necessidade
de respeitar os princípios constitucionais da separação dos Poderes e da independência e autonomia dos magistrados como necessários à própria consolidação da democracia. No entanto o
respeito a esses princípios fundamentais, inscritos em cláusulas pétreas da
Constituição, não deve afastar o governo do cumprimento de suas obrigações
nem o Judiciário de seus desígnios mais
nobres. O governo pretende manter interlocução com os membros do Judiciário para possibilitar a implementação
conjunta de projetos comuns, imbuídos
do espírito de que a reforma deve buscar o fortalecimento das instituições e o
aperfeiçoamento democrático do país.
A contribuição que o governo pode e
quer dar restringe-se à possibilidade de
colaborar para a modernização do Judiciário e a melhor prestação jurisdicional. Não se deve subestimar a capacidade do governo federal de articular iniciativas, de elaborar propostas para serem debatidas com o Judiciário, de induzir mudanças para o melhor funcionamento da administração pública, em
benefício da cidadania, e de apoiar alternativas de financiamento para projetos
de modernização gerados no próprio
Poder Judiciário.
Por essa razão, o governo está viabilizando recursos da iniciativa privada para valorizar projetos de modernização
concebidos por magistrados e suas entidades representativas. Um deles é o Prêmio Innovare - O Judiciário do Século
XXI -parceria entre a Associação dos
Magistrados Brasileiros, a FGV Direito
Rio, a Vale do Rio Doce e o Ministério
da Justiça para premiar juízes que apresentem as melhores propostas de modernização de gestão do Judiciário.
O mau funcionamento do Judiciário interessa aos que se valem de sua ineficiência para não cumprir obrigações
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A reforma do Judiciário passa pela
modernização de sua gestão, com a incorporação de novas tecnologias de informação, padronização de procedimentos racionais, simplificação de sistemas operacionais, capacitação de pessoal e desburocratização. Não se pretende inventar a roda. Pretende-se captar
as melhores experiências de gestão, valorizá-las, torná-las públicas e implementá-las em outros locais. Muitos juízes pelo país afora já implementaram
iniciativas inovadoras, que demonstram a possibilidade real de melhoria de
funcionamento da máquina administrativa -sem alterações legislativas.
Deve-se reconhecer com clareza a posição do poder público em relação ao
Judiciário. O Estado é o maior cliente do
Poder Judiciário -cerca de 80% dos
processos que tramitam nos tribunais
superiores tratam de interesses do governo. Deve-se, portanto, buscar a definição de uma nova conduta do governo
em relação aos órgãos judiciais, através
de medidas que inibam a impetração de
ações ou recursos sobre matérias com
jurisprudência razoavelmente pacificada. Assim, o Executivo faz sua parte na
difícil tarefa de conciliar a necessidade
de descongestionamento do Judiciário
com a garantia do amplo direito de defesa dos cidadãos.
O governo deve também contribuir
nas discussões sobre as alterações legislativas infraconstitucionais e constitucionais necessárias para o aperfeiçoamento do Poder Judiciário. Mudanças
na legislação infraconstitucional podem
acelerar os processos judiciais. A instituição de procedimentos de solução alternativa de conflitos, a diminuição do
número de recursos, a simplificação do
processo de execução e o fortalecimento
dos juizados especiais são algumas dessas medidas.
A reforma constitucional do Judiciário, em tramitação no Congresso Nacional, não trará solução para grande parte
dos problemas mais urgentes relativos à
ineficiência e à demora na tramitação
dos processos. Deverá trazer, isso sim,
maior democratização e transparência
do Judiciário, fundamentais para o fortalecimento da instituição e da própria
democracia. A participação do governo
nesse debate se dá com a apresentação
clara, firme e respeitosa de suas posições, para que sejam discutidas com toda a sociedade e no Congresso.
Sérgio Rabello Tamm Renault, 44, advogado, é secretário de Reforma do Poder Judiciário do
Ministério da Justiça.
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