|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
Os cientistas e os transgênicos
HERNAN CHAIMOVICH
As informações mais difundidas
sobre plantas transgênicas provêm
de dois campos opostos. Um é constituído pelas empresas que desenvolvem
e vendem sementes e que apregoam que
estas devem ser amplamente utilizadas,
por possuírem o potencial de ampliar a
produtividade agrícola e a oferta de alimentos no mundo. Para um outro conjunto de agentes interessados, com motivações técnicas, doutrinárias ou emocionais, essas plantas constituem um
perigo real ou potencial para a humanidade e para o equilíbrio dos ecossistemas. Se para o cidadão informado essa
contradição é perturbadora, o que dizer
da grande maioria da população?
A posição dos cientistas requer análise
prévia do conceito de representação. Na
sociedade, respeitada a liberdade de expressão individual, a representatividade
é identificável. Diante da polêmica em
torno dos organismos geneticamente
modificados, OGM, em especial das
plantas transgênicas, parcelas mais bem
informadas da sociedade brasileira estão perplexas quanto à diversidade de
opiniões individuais de cientistas sobre
o assunto. Assim, parece não existir nenhum consenso, dentro da comunidade
científica, sobre segurança alimentar ou
riscos ecológicos do uso de plantas
transgênicas. Contudo, nas instituições
representativas das comunidades nacional e internacional dos cientistas, os
consensos são evidentes e, em geral,
pouco divulgados na mídia.
Poucos duvidam que as academias
nacionais de ciências são entidades representativas da comunidade dos cientistas. Em geral, elas são independentes
de interesses e governos e têm se demonstrado essenciais para o desenvolvimento da capacidade nacional em
ciência e tecnologia.
Em 2000, a Royal Society, de Londres,
e as academias de ciência do Brasil, China, EUA, Índia, México e a Academia de
Ciências do Terceiro Mundo (TWAS)
prepararam um Relatório sobre Plantas
Transgênicas na Agricultura. Nesse documento pondera-se que muitas decisões na área da biotecnologia afetarão o
futuro da humanidade e os recursos naturais do planeta. Logo elas devem ser
baseadas na melhor informação científica, para permitirem escolhas apropriadas de alternativas políticas.
As pesquisas demonstram que alimentos produzidos por meio de tecnologia OGM podem ser mais nutritivos,
estáveis quando armazenados e, em
princípio, capazes de promover a saúde.
Por isso, novos esforços do setor público são necessários para introduzir cultivo de transgênicos que beneficiem lavradores pobres em nações em desenvolvimento e que assegurem o seu acesso aos alimentos através da produção
intensiva de produtos. Além disso, esforços de cooperação entre os setores
público e privado são necessários para
desenvolver sementes transgênicas que
beneficiem os consumidores, especialmente nos países em desenvolvimento.
Esforços conjuntos devem ser promovidos, também, para investigar os efeitos potenciais das tecnologias OGM em
suas aplicações específicas sobre o meio
ambiente, sejam estes positivos ou negativos. Essas pesquisas devem ser determinadas tomando por parâmetro os
efeitos das tecnologias convencionais
na agricultura. Além disso, os sistemas
de saúde pública de todos os países devem estar qualificados para identificar e
monitorar quaisquer efeitos potencialmente adversos que possam surgir de
plantas transgênicas na saúde humana.
As informações mais difundidas sobre plantas transgênicas provêm
de dois campos opostos
|
Empresas e institutos de pesquisa devem tomar medidas para compartilhar
a tecnologia OGM com cientistas responsáveis por sua utilização, para aliviar a fome e melhorar a segurança dos
alimentos em países em desenvolvimento. Além do mais, exceções deverão
ser feitas aos pequenos produtores familiares, para protegê-los de restrições
indevidas em suas plantações.
O Conselho Internacional Pela Ciência (ICSU) congrega, desde 1931, as mais
importantes entidades da ciência internacional, envolvendo mais de cem países, 30 uniões internacionais de ciência
e 20 associações científicas. Recentemente, o ICSU fez um estudo baseado
em toda a literatura científica produzida
entre 2000 e 2003 sobre plantas OGM,
segurança alimentar e efeitos ecológicos. (disponível em www.icsu.org).
Em relação aos alimentos com produtos OGM, as perguntas fundamentais
que esse estudo apresenta são: quem
necessita deles; se podem ser consumidos com segurança; se haverá impactos
ambientais; se as medidas regulatórias
são adequadas; como afetam o comércio internacional. Cada tema é analisado mostrando os limites do consenso
científico, as divergências científicas
(quando as há) e os pontos que requerem mais pesquisa. Nesse estudo, chegam-se a conclusões similares ao publicado em 2000 pelas academias.
É imprescindível que o debate sobre
essa questão no Brasil também seja conduzido a partir desses princípios, sempre tendo como base os conhecimentos
obtidos pela ciência. É por isso que a
USP, detentora de inegável credibilidade nacional e internacional, tomou a
iniciativa de promover o Seminário Internacional sobre Transgênicos no Brasil, em parceria com a Academia de
Ciências e a International Union of
Food Science and Technology, que começou ontem e se encerrará amanhã.
Hernan Chaimovich, 64, diretor do Instituto de Química da USP, é membro das diretorias da Academia Brasileira de Ciência e do ICSU.
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Sérgio Renault: O Executivo e a reforma do Judiciário Próximo Texto: Painel do leitor Índice
|