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São Paulo, terça-feira, 28 de outubro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Os cientistas e os transgênicos

HERNAN CHAIMOVICH

As informações mais difundidas sobre plantas transgênicas provêm de dois campos opostos. Um é constituído pelas empresas que desenvolvem e vendem sementes e que apregoam que estas devem ser amplamente utilizadas, por possuírem o potencial de ampliar a produtividade agrícola e a oferta de alimentos no mundo. Para um outro conjunto de agentes interessados, com motivações técnicas, doutrinárias ou emocionais, essas plantas constituem um perigo real ou potencial para a humanidade e para o equilíbrio dos ecossistemas. Se para o cidadão informado essa contradição é perturbadora, o que dizer da grande maioria da população?
A posição dos cientistas requer análise prévia do conceito de representação. Na sociedade, respeitada a liberdade de expressão individual, a representatividade é identificável. Diante da polêmica em torno dos organismos geneticamente modificados, OGM, em especial das plantas transgênicas, parcelas mais bem informadas da sociedade brasileira estão perplexas quanto à diversidade de opiniões individuais de cientistas sobre o assunto. Assim, parece não existir nenhum consenso, dentro da comunidade científica, sobre segurança alimentar ou riscos ecológicos do uso de plantas transgênicas. Contudo, nas instituições representativas das comunidades nacional e internacional dos cientistas, os consensos são evidentes e, em geral, pouco divulgados na mídia.
Poucos duvidam que as academias nacionais de ciências são entidades representativas da comunidade dos cientistas. Em geral, elas são independentes de interesses e governos e têm se demonstrado essenciais para o desenvolvimento da capacidade nacional em ciência e tecnologia.
Em 2000, a Royal Society, de Londres, e as academias de ciência do Brasil, China, EUA, Índia, México e a Academia de Ciências do Terceiro Mundo (TWAS) prepararam um Relatório sobre Plantas Transgênicas na Agricultura. Nesse documento pondera-se que muitas decisões na área da biotecnologia afetarão o futuro da humanidade e os recursos naturais do planeta. Logo elas devem ser baseadas na melhor informação científica, para permitirem escolhas apropriadas de alternativas políticas.
As pesquisas demonstram que alimentos produzidos por meio de tecnologia OGM podem ser mais nutritivos, estáveis quando armazenados e, em princípio, capazes de promover a saúde. Por isso, novos esforços do setor público são necessários para introduzir cultivo de transgênicos que beneficiem lavradores pobres em nações em desenvolvimento e que assegurem o seu acesso aos alimentos através da produção intensiva de produtos. Além disso, esforços de cooperação entre os setores público e privado são necessários para desenvolver sementes transgênicas que beneficiem os consumidores, especialmente nos países em desenvolvimento.
Esforços conjuntos devem ser promovidos, também, para investigar os efeitos potenciais das tecnologias OGM em suas aplicações específicas sobre o meio ambiente, sejam estes positivos ou negativos. Essas pesquisas devem ser determinadas tomando por parâmetro os efeitos das tecnologias convencionais na agricultura. Além disso, os sistemas de saúde pública de todos os países devem estar qualificados para identificar e monitorar quaisquer efeitos potencialmente adversos que possam surgir de plantas transgênicas na saúde humana.



As informações mais difundidas sobre plantas transgênicas provêm de dois campos opostos

Empresas e institutos de pesquisa devem tomar medidas para compartilhar a tecnologia OGM com cientistas responsáveis por sua utilização, para aliviar a fome e melhorar a segurança dos alimentos em países em desenvolvimento. Além do mais, exceções deverão ser feitas aos pequenos produtores familiares, para protegê-los de restrições indevidas em suas plantações.
O Conselho Internacional Pela Ciência (ICSU) congrega, desde 1931, as mais importantes entidades da ciência internacional, envolvendo mais de cem países, 30 uniões internacionais de ciência e 20 associações científicas. Recentemente, o ICSU fez um estudo baseado em toda a literatura científica produzida entre 2000 e 2003 sobre plantas OGM, segurança alimentar e efeitos ecológicos. (disponível em www.icsu.org).
Em relação aos alimentos com produtos OGM, as perguntas fundamentais que esse estudo apresenta são: quem necessita deles; se podem ser consumidos com segurança; se haverá impactos ambientais; se as medidas regulatórias são adequadas; como afetam o comércio internacional. Cada tema é analisado mostrando os limites do consenso científico, as divergências científicas (quando as há) e os pontos que requerem mais pesquisa. Nesse estudo, chegam-se a conclusões similares ao publicado em 2000 pelas academias.
É imprescindível que o debate sobre essa questão no Brasil também seja conduzido a partir desses princípios, sempre tendo como base os conhecimentos obtidos pela ciência. É por isso que a USP, detentora de inegável credibilidade nacional e internacional, tomou a iniciativa de promover o Seminário Internacional sobre Transgênicos no Brasil, em parceria com a Academia de Ciências e a International Union of Food Science and Technology, que começou ontem e se encerrará amanhã.

Hernan Chaimovich, 64, diretor do Instituto de Química da USP, é membro das diretorias da Academia Brasileira de Ciência e do ICSU.


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