São Paulo, quinta-feira, 28 de outubro de 2004

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CLÓVIS ROSSI

A última rendição

FILADÉLFIA - Ao tratar o Fórum Social Mundial como uma "feira ideológica", o presidente Luiz Inácio Lula da Silva comete o último desembarque das posições que ele e seu partido defenderam durante toda a vida. Ou, posto de outra forma, Lula passou 23 anos (tempo de vida do partido antes da vitória de 2002) completamente equivocado, como vem confessando dia sim, outro também.
É até verdade que o Fórum Social Mundial é uma "feira ideológica". Mas sempre foi assim, o que não impediu Lula e o PT de dele participarem não só ativamente como com o maior orgulho.
Não há, aliás, nada de errado em uma "feira ideológica". Ao contrário. É extremamente saudável debater idéias, em qualquer circunstância. Mais saudável e oxigenante ainda a partir do momento em que se impôs no mundo a ditadura do chamado "pensamento único", que limitava o modo de governar a uma receita medíocre, cujos resultados só poderiam ser, como têm sido, medíocres.
Lula tem até razão em propor que o Fórum indique ações a serem desenvolvidas ao longo do ano. Neste mesmo espaço, mais de uma vez, já observei que o movimento que diz que "outro mundo é possível" precisava dar concretude às suas discussões, sob pena de perder eternamente a batalha ideológica porque o público não-envolvido acabava ficando alheio às propostas.
Mas o tema proposto pelo presidente (combate à fome) exemplifica o tamanho do desembarque de Lula das ilusões. Ninguém é contra combater a fome, como é óbvio. Mas aceitar esse objetivo como programa para "um outro mundo é possível" é render-se completamente à idéia de que não há mais o que fazer a não ser oferecer as famosas políticas compensatórias, em vez da inclusão, como é o sonho da "feira ideológica".
Ou, posto de outra forma, é aceitar que não há outro mundo possível e, portanto, para quem fica de fora, só resta mesmo o sopão dos pobres.
Enfim, mais uma prova de que o medo (de ousar pensar) venceu a esperança (de mudar).


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