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FERNANDO DE BARROS E SILVA
190 milhões
SÃO PAULO - "Tem pessoas que
governam o Brasil para o imaginário de uma pequena casta. E tem
pessoas que governam pensando
em envolver 190 milhões de brasileiros." O trecho foi dito por Lula na
sua entrevista à Folha. Embora fale
muito à imaginação, acabou sendo
ofuscado pela repercussão da metáfora cristã que o presidente usou
para ilustrar seu pragmatismo ilimitado. Voltemos a ele. O diabo, como se diz, mora nos detalhes.
Lula pretende "envolver" 190 milhões. O termo que usa é melhor do
que parece. O petista quis lhe dar o
sentido de "incluir" ou "abranger".
O dicionário "Houaiss", no entanto,
atribui mais de uma dúzia de significados à palavra -entre os quais
"embrulhar", "enrolar", "tapar",
"atrair", "cativar", "conquistar a
atenção, a admiração ou o afeto de",
"tomar conta de", "dominar".
O verbo comporta sentidos mais
favoráveis e menos favoráveis a Lula. E todos eles concorrem para
compor uma explicação que não seja banal ou simplória de seu governo. Ou seria essa uma maneira "tucana" demais de ver as coisas?
A oposição, de qualquer modo,
deveria recortar a frase e distribuí-la aos membros de sua seleta casta
com a seguinte instrução: leia e reflita pelo menos duas vezes ao dia
-ao acordar e antes de dormir.
De nada adianta dizer que as
complexidades do país real não cabem na clivagem sugerida por Lula.
A retórica dicotômica com a qual o
petista é capaz de inflamar grandes
audiências não está solta no ar, mas
ancorada na realidade palpável de
que a classe C cresceu 31,3% neste
governo e se tornou a mais numerosa do país. No ano passado, segundo dados recentes da FGV, ela
respondia por 49,2% da população.
A desconexão entre a aprovação
popular do governo e o que Lula
chama de "imaginário de uma pequena casta" é um dado intrigante
da realidade. Tanto mais curioso
porque, no país dos emergentes e
das desigualdades, quem mais cresceu, em termos proporcionais, foi a
chamada classe AB -37,1%.
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