São Paulo, sexta-feira, 28 de outubro de 2011

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RUY CASTRO

Primeiros 100 anos

RIO DE JANEIRO - Quando eles despontavam no fundo da Redação, os mais velhos do "Correio da Manhã" esnobavam: "Xi, lá vem o Ismael Silva!". Ou: "Ah, não.
Olha o Nelson Cavaquinho de novo". Diziam isso não por desamor, mas porque era quase sempre no pior horário, entre as 5 e 7 da tarde, que Ismael ou Nelson cismava de visitar algum repórter ou redator.
Eram tempos sem crachá, sem catraca eletrônica e sem recepcionista perguntando com quem quer falar.
Passando pelo jornal, era entrar e subir. Donde as Redações viviam cheias de gente que não se sabia direito o que faziam. Se era assim com anônimos, imagine se o encarregado da portaria do "Correio" barraria Nelson Cavaquinho ou Ismael Silva, vizinhos do jornal, na Lapa.
Os mais velhos estavam mesmo ocupados ou talvez já não tivessem o que conversar com eles. Mas os repórteres mais novos, entre os quais eu, apressavam suas tarefas para se juntar a Ismael ou Nelson, descer com eles ao botequim do hotel Marialva, defronte ao jornal, e, literalmente, beber suas palavras.
Eram dois monstros, mas, em 1967, ano dessa história, viviam momentos diferentes. Ismael, 62, tinha um quê de amargo -longe o tempo em que, com "Se Você Jurar", "Novo Amor" e tantas mais, ajudara a revolucionar o samba. Nelson, ao contrário, depois de longo ostracismo, finalmente via sua estrela subir, aos 56. Todos o admirávamos por "Luz Negra", "A Flor e o Espinho", "Degraus da Vida". Era emocionante ouvir aquela voz, regada a cerveja e feita para cantar lamentos, falando banalidades num botequim.
Sempre que vejo uma foto de Nelson -cujos primeiros 100 anos de imortalidade se completam amanhã-, ele está abraçado ao violão. Era assim também que o via no Marialva: sem cantar, mas com o violão estreitado ao peito, senhor de seu mundo, a salvo da vida.



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