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JOSÉ SARNEY
O jumento e Bush
Quando visitei a finada União Soviética, Gorbatchov era o alvo da
curiosidade mundial. Era o homem
da glasnost e da perestroika. Convidou-me para um passeio pelos jardins
do Kremlin. Numa pequena praça, ali
estava, num modesto berço, um velho
canhão da guerra de 1914, carcomido
pelos anos e pela neve.
Gorbatchov me disse: "Eu revelei ao
presidente Reagan, que me cobrava as
novas armas exterminadoras que estávamos produzindo, que era esta a
arma secreta da Rússia!".
Agora, vejo Bush procurar, numa
guerra que ninguém sabe quando e de
que forma acabará, as armas de destruição em massa do Iraque e finalmente encontrá-las: um jumento, puxando uma carroça com os sugestivos
dizeres: "meu coração está com você,
querida", disparando velhos foguetes
cabeças de prego, numa perigosa ação
terrorista contra dois hotéis de luxo de
Bagdá, onde estão confinados jornalistas e empresários. Os primeiros cobrindo a Guerra, os segundos atrás de
ganhar dinheiro com ela.
A foto que o mundo viu, daquele jumento alienado, com sua carroça, sem
se preocupar com nada, vigiado por
um soldado americano que portava 20
quilos do mais sofisticado material de
guerra jamais colocado à disposição
de um soldado na história de todas as
guerras: lunetas que olham no escuro,
acompanham o vôo de morcegos e
corujas à noite, balas inteligentes que
sabem se alojar nos pulmões e corações, localizadores de espaço (GPS),
comprimidos que condensam todas
as proteínas e vitaminas necessárias à
vida, pistolas a laser, chicletes que espantam o sono, outros que não deixam sonhar, vasilhas ultraleves e de
anatomia planejada para aderir ao
corpo em cada lugar necessário, para
recolher dejetos, granadas de pimenta, de limão, bombas de gases letais de
feijão dormido, algemas e transmissores interligados com todos os comandos das terras e dos oceanos. Tudo para quê? Para vigiar esse jumento, o
único terrorista que foi preso em flagrante e não se auto-imolou. Certamente será interrogado pela CIA e vai
para Guantánamo.
Conversas à parte, não há quem não
esteja preocupado com Bush. O que
ele fez com os Estados Unidos não tem
precedente.
O mundo ficou solidário com os
americanos pela inominável, feroz, ignominiosa agressão dos atentados de
setembro. O mundo revoltou-se. Uma
auréola de simpatia envolveu esse
grande país.
O seu presidente jogou tudo fora.
Transformou amor em ódio, simpatia
em desconfiança, uma reação justa,
numa ação suspeita.
De Kennedy diz-se: "Sua morte mudou o destino de várias gerações". Do
desastre da baía dos Porcos, convidou
o mundo a lutar pela paz e criou o
"Peace Corps", engajando os jovens
de seu país.
De Bush, diz o prefeito de Londres,
Ken Livingstone: "George Bush é a
maior ameaça à vida na Terra". Que
frase terrível! Esse homem só pensa na
força, criou uma guerra que ninguém
vê nem viu. O terrorismo aumentou e
o cotidiano são atos de terror. É a
guerra permanente.
Suas motivações cada vez mais ficam evidentes: quis legitimar sua não-eleição e vingar-se de Saddam, pois
"quis matar papai".
Em Londres, numa réplica do que
aconteceu no Iraque, sua "estátua" é
derrubada pelo sóbrio povo inglês.
Em Bagdá, a grande vitória é a descoberta de um jumento terrorista.
Valha-nos Deus!
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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