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São Paulo, sexta-feira, 28 de novembro de 2003

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JOSÉ SARNEY

O jumento e Bush

Quando visitei a finada União Soviética, Gorbatchov era o alvo da curiosidade mundial. Era o homem da glasnost e da perestroika. Convidou-me para um passeio pelos jardins do Kremlin. Numa pequena praça, ali estava, num modesto berço, um velho canhão da guerra de 1914, carcomido pelos anos e pela neve.
Gorbatchov me disse: "Eu revelei ao presidente Reagan, que me cobrava as novas armas exterminadoras que estávamos produzindo, que era esta a arma secreta da Rússia!".
Agora, vejo Bush procurar, numa guerra que ninguém sabe quando e de que forma acabará, as armas de destruição em massa do Iraque e finalmente encontrá-las: um jumento, puxando uma carroça com os sugestivos dizeres: "meu coração está com você, querida", disparando velhos foguetes cabeças de prego, numa perigosa ação terrorista contra dois hotéis de luxo de Bagdá, onde estão confinados jornalistas e empresários. Os primeiros cobrindo a Guerra, os segundos atrás de ganhar dinheiro com ela.
A foto que o mundo viu, daquele jumento alienado, com sua carroça, sem se preocupar com nada, vigiado por um soldado americano que portava 20 quilos do mais sofisticado material de guerra jamais colocado à disposição de um soldado na história de todas as guerras: lunetas que olham no escuro, acompanham o vôo de morcegos e corujas à noite, balas inteligentes que sabem se alojar nos pulmões e corações, localizadores de espaço (GPS), comprimidos que condensam todas as proteínas e vitaminas necessárias à vida, pistolas a laser, chicletes que espantam o sono, outros que não deixam sonhar, vasilhas ultraleves e de anatomia planejada para aderir ao corpo em cada lugar necessário, para recolher dejetos, granadas de pimenta, de limão, bombas de gases letais de feijão dormido, algemas e transmissores interligados com todos os comandos das terras e dos oceanos. Tudo para quê? Para vigiar esse jumento, o único terrorista que foi preso em flagrante e não se auto-imolou. Certamente será interrogado pela CIA e vai para Guantánamo.
Conversas à parte, não há quem não esteja preocupado com Bush. O que ele fez com os Estados Unidos não tem precedente.
O mundo ficou solidário com os americanos pela inominável, feroz, ignominiosa agressão dos atentados de setembro. O mundo revoltou-se. Uma auréola de simpatia envolveu esse grande país.
O seu presidente jogou tudo fora. Transformou amor em ódio, simpatia em desconfiança, uma reação justa, numa ação suspeita.
De Kennedy diz-se: "Sua morte mudou o destino de várias gerações". Do desastre da baía dos Porcos, convidou o mundo a lutar pela paz e criou o "Peace Corps", engajando os jovens de seu país.
De Bush, diz o prefeito de Londres, Ken Livingstone: "George Bush é a maior ameaça à vida na Terra". Que frase terrível! Esse homem só pensa na força, criou uma guerra que ninguém vê nem viu. O terrorismo aumentou e o cotidiano são atos de terror. É a guerra permanente.
Suas motivações cada vez mais ficam evidentes: quis legitimar sua não-eleição e vingar-se de Saddam, pois "quis matar papai".
Em Londres, numa réplica do que aconteceu no Iraque, sua "estátua" é derrubada pelo sóbrio povo inglês. Em Bagdá, a grande vitória é a descoberta de um jumento terrorista.
Valha-nos Deus!


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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