São Paulo, terça-feira, 28 de novembro de 2006

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Dínamo desconhecido

JURO MAIS baixo e moeda menos valorizada são condições necessárias para que o Brasil rompa a camisa-de-força que o impede de caminhar. Necessárias, mas não suficientes.
Há dínamo secreto na economia brasileira. Não é tema de nosso debate econômico. Transcorre o debate como se fôssemos qualquer outro país que também sofra de juro alto: a Turquia, por exemplo. E oscila entre duas posições desacreditas no resto do mundo: o financismo, disposto a sacrificar a economia real à confiança financeira, e o keynesianismo vulgar, crente de que, para regressarmos ao paraíso perdido do crescimento, basta que o Estado e os consumidores gastem mais.
Traço marcante de nossa economia é sua extraordinária fragmentação. Comparado o Brasil com outros países em nível semelhante de desenvolvimento, logo ressalta o predomínio extremado entre nós de empreendimentos de pequena escala. Costumam operar na fronteira entre a legalidade e a ilegalidade, entre o emprego regularizado e o trabalho informal. Por carecer de acesso a crédito, a tecnologia, a conhecimento e a instrumentos para vencer as desvantagens da pequena escala (como seriam os mutirões de produtores para competir e cooperar ao mesmo tempo), ficam relegadas à periferia amorfa e desequipada de nossa economia.
Respondem, contudo, pela vasta maioria dos empregos. E fervilham de energia, com pendor para o improviso engenhoso e ousado, que seria, se tivessem meios, a alavanca de grande reviravolta econômica.
Essa realidade econômica tem lado social. Ela representa o campo de uma classe média emergente, vinda de baixo e dedicada à cultura da auto-ajuda e da iniciativa, que está transformando, silenciosamente, o Brasil. Classe média que, indiferente aos preconceitos da direita e da esquerda, já virou a vanguarda que a maioria dos brasileiros quer seguir. Se o governo provê-la das oportunidades que lhe faltam, ele realizará, de uma só vez, revolução econômica e revolução social.
Essas duas revoluções conjugadas virão ao encontro de grande mudança no mundo. A produção padronizada, rígida e burra declina. A produção não-padronizada, flexível e inteligente ascende. Resta saber se as novas práticas do experimentalismo produtivo irão expandir-se por larga parte de cada economia nacional ou ficar restritas a setores elitizados. Temos condições únicas para andar na frente dessa transformação mundial. Para isso, porém, falta-nos realismo, porque nos falta imaginação.


www.law.harvard.edu/unger

ROBERTO MANGABEIRA UNGER
escreve às terças-feiras nesta coluna.


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