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Liberdade e autonomia universitária
CECI JURUÁ, LAURA TAVARES SOARES e ROBERTO LEHER
Os recentes acontecimentos envolvendo Sader ilustram a confrontação entre a
mídia e o pensamento livre produzido na universidade
HISTORICAMENTE, a universidade pública tem sido muito
atacada pelos que se vêem
ameaçados pelas manifestações do
pensamento livre, crítico e autônomo
nela produzido. Nas sociedades contemporâneas, as investidas mais duras provêm das corporações da mídia,
verdadeiros partidos políticos, como
salientou Antonio Gramsci, muito
pouco tolerantes com o pensamento
independente e com as mediações
singulares que configuram a universidade, como ficou evidente no episódio da publicação por esta Folha da
"Lista de improdutivos da USP".
Os recentes acontecimentos envolvendo Emir Sader, intelectual reconhecido internacionalmente por seu
engajamento acadêmico-político, são
ilustrativos dessa confrontação.
Por ter se insurgido contra agressiva ameaça do senador Bornhausen
-que preconizava o aniquilamento
de uma perigosa "raça": "Vamos nos
livrar dessa raça (os petistas) pelo
menos por 30 anos"-, foi condenado,
pelo delito de opinião (situação que a
Constituição não admite), a um ano
de prisão e à perda do cargo de professor obtido em concurso público.
Surpreendentemente, a Folha inseriu o tema Sader como pauta jornalística não pela polêmica envolvendo
a sentença despropositada e desproporcional. Sader foi desqualificado
como "um intelectual zero à esquerda", e o manifesto (nunca divulgado
pela Folha) em seu favor foi tido como "oportunista e hipócrita".
Como explicar que um professor
desprovido de credenciais acadêmicas tenha sido eleito para o prestigioso cargo de secretário-executivo do
Conselho Latino-Americano de
Ciências Sociais? Será que Antonio
Candido, Chico Buarque, Chico de
Oliveira, Luis Fernando Verissimo e
Perry Anderson, entre tantas outras
referências acadêmicas e culturais,
firmariam seus nomes em um manifesto hipócrita?
Com a mesma acidez, a pauta Emir
Sader enveredou por um caminho
ainda mais tortuoso quando um articulista fez menção a um processo em
que Sader é arrolado como testemunha, deixando no ar suspeitas quanto
a sua honorabilidade ética.
A suspeita esboçada na mencionada matéria diz respeito ao custo de
um livro publicado por um projeto
coordenado por Sader. Contudo, em
nenhum momento a Folha procurou
as informações sobre o tema já disponibilizadas ao público (ver no site
www.lpp-uerj.net/outrobrasil).
Se assim tivesse feito, teria constatado que não há nenhum problema
referente à edição do livro, fato corroborado pela renovação do projeto,
por duas vezes, pela fundação que o
apóia, a partir da avaliação positiva
do seu mérito e de rigorosa prestação
de contas. Uma síntese desse esclarecimento pode ser vista no "Painel do
Leitor" desta Folha (18/11), na carta
de Mariana Setúbal, que resume a nota pública do projeto.
É preocupante que o jornal não tenha se sensibilizado com as graves
implicações da sentença para a autonomia universitária e a liberdade de
pensamento. A decisão determina a
perda do cargo obtido por concurso
público como punição exemplar que
deve ser escutada por todos os que
ousam criticar as vozes do poder.
A questão foi perfeitamente compreendida por Cerqueira Leite em
seu artigo publicado neste espaço
(dia 16/11). No período da ditadura
empresarial-militar, esse afastamento exigia um ato de força; agora, com a
decisão judicial, dar-se-ia por meios
mais suaves, mas com o mesmo propósito: o silenciamento da crítica. Esse é o busílis da questão.
As contendas entre as corporações
da mídia e o pensamento crítico não
seriam um problema se os meios de
difusão de mensagens das grandes
empresas e da universidade pública
não fossem tão desproporcionais.
Pior que a assimetria de condições,
porém, seria a perda dos espaços públicos de produção de conhecimento.
Não fosse a universidade pública,
as corporações da mídia teriam condições muito melhores para propagar, sem contestação, a maldição de
Thatcher de que "não há alternativa".
Claro, seria muito melhor se a batalha das idéias pudesse ser realizada
também em jornais democráticos e
abertos à pluralidade de pensamento.
Contudo, a autonomia e a liberdade
de pensamento não são dádivas divinas, mas conquistas históricas, fruto
das lutas sociais. É nisso que acreditamos e estamos engajados.
CECI JURUÁ, economista, mestre pela Universidade de
Montpellier (França), LAURA TAVARES SOARES, doutora em economia pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ROBERTO LEHER, doutor em educação
pela USP e professor da UFRJ, participam do Projeto Outro Brasil, do Laboratório de Políticas Públicas da Uerj
(Universidade Estadual do Rio de Janeiro).
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