|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Atenção ao uso da energia nuclear
FRANK GUGGENHEIM e BEATRIZ CARVALHO G. SANTOS
O atual governo federal segue a tendência histórica de tratar
a questão nuclear com a aura do segredo
DESDE A construção da primeira usina nuclear do mundo nos
anos 50, existe uma polêmica
quanto à necessidade e os riscos desse
tipo de energia. Nesse meio século
desde então, os argumentos a favor e
contra essa tecnologia não se renovaram, assim como não se renovou a
tecnologia utilizada.
No Brasil, a tecnologia nuclear foi
importada dos Estados Unidos e da
Alemanha durante a ditadura militar
por um governo autoritário, que não
se prestava a dar maiores informações à população quanto aos verdadeiros propósitos da corrida pelo domínio da tecnologia atômica.
Na metade deste ano, o governo do
presidente Lula anunciou oficialmente a retomada do programa nuclear
brasileiro, por meio da determinação
de construção da usina nuclear Angra
3. Até a semana passada, os argumentos oficiais passavam pela necessidade de diversificação da matriz energética e do desenvolvimento tecnológico brasileiro, além da pungente necessidade de uma energia "limpa" para mitigar os efeitos do aquecimento
global, propósito para o qual a geração
nuclear seria eficiente.
Os quase R$ 8 bilhões de investimentos necessários para a construção da usina, os sete anos que se irão
transcorrer até que ela entre em funcionamento, a gravidade e as extensões no tempo e no espaço de um acidente nuclear, a falta de solução definitiva para o armazenamento do lixo
radioativo, o fato de a maioria dos
produtores históricos de energia nuclear ter congelado a construção de
novas usinas e estar em processo de
descomissionamento das que já possuem, nada disso entrou na conta de
contras que pudessem demover o governo de se lançar nessa aventura.
No entanto, a exploração da energia
atômica sempre serviu a um propósito menos honroso e infinitamente
menos popular do que a mera geração
de eletricidade: a fabricação e o uso
militar de armas atômicas.
Segundo Robert Oppenheimer, físico norte-americano que chefiou o
projeto Manhattan para a construção
das bombas lançadas sobre
Hiroshima e Nagasaki, "quem disser
que existe uma energia atômica para a
paz e outra para a guerra está mentindo", não fazendo questão de esconder
que exatamente a mesma técnica pode ser usada tanto para gerar energia
quanto para fabricar a bomba.
Há alguns dias, fomos brindados
com uma nova linha de argumentação em defesa do uso de energia nuclear no Brasil, agora apontando para
a direção que sempre, em uníssono,
negaram os assessores do nosso presidente. A energia nuclear deverá ser
empregada para fins militares, foi a
mensagem que se pôde destacar da fala do ministro Nelson Jobim durante
a quarta Conferência Internacional
do Forte de Copacabana.
Segundo o ministro, porque o Brasil possui uma grande reserva de petróleo, deverá utilizar-se de um submarino nuclear que faça a sua proteção contra possíveis ataques externos, inclusive terroristas.
Seguiu-se a essa declaração outra, a
de que o aditivo ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear deverá ser visto
com reservas, uma vez que cria maiores mecanismos de controle sobre o
uso da energia nuclear pelos países
signatários.
O atual governo segue a tendência
histórica de tratar a questão nuclear
com a aura do segredo, por meio de
declarações eufêmicas que ora descartam, ora sugerem o uso militar da
energia atômica.
Não nos esqueçamos de que foi o
atual presidente da Eletronuclear, o
almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, quem comandou um programa
nuclear paralelo, iniciado em segredo
durante a ditadura militar e assim
mantido até que a mídia passou a divulgar a informação de que estava em
andamento um programa nuclear
com finalidades exclusivamente
militares.
É fundamental que a população esteja alerta e ouça com atenção o que
está -e principalmente o que não está- sendo dito nas declarações oficiais do governo Lula.
Sempre haverá a possibilidade de
que novos motivos, esperados ou não,
possam justificar uma nova mudança
no discurso e o acionamento das nossas instalações nucleares em nome da
segurança nacional.
FRANK GUGGENHEIM, médico, doutor em imunologia, é
diretor-executivo do Greenpeace Brasil. Foi diretor da divisão farmacêutica da indústria Roche, onde atuou de
1988 a 2000.
BEATRIZ CARVALHO G. SANTOS, 31, advogada, é coordenadora da campanha antinuclear do Greenpeace.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Ana Júlia Carepa: Segurança, sim; barbárie, nunca Próximo Texto: Painel do Leitor Índice
|