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JOSÉ SARNEY
A revolta da natureza
O
HOMEM , para lembrar uma
velha expressão de Lévi-Strauss, é o maior vilão da
natureza. Ele a modifica, degrada,
abusa e chega a criar a perspectiva
de destruir a própria vida com as
armas nucleares e o aquecimento
global, em nome do progresso que
parece caminhar para o suicídio.
Mas, às vezes, a natureza reage,
sem aviso nem previsão, numa revolta que atinge ela própria, quebrando a harmonia e as leis que ela
parecia ter construído. São terremotos, maremotos, furacões, tsunamis, enchentes, vulcões, desertificação e vários outros maus humores que se manifestam em grande e em pequena escala. A nossa
sensação é que a Terra ainda não se
acomodou e, como um ser vivo
-na formulação de Lovelock-, se
retorce, serpente que não renuncia
à liberdade e não se deixa amarrar.
Agora mesmo nós estamos vivendo em Santa Catarina uma tragédia dessas, que deixa nossos corações partidos não somente com
as conseqüências materiais mas
principalmente com os dramas humanos. São famílias inteiras que
desaparecem nas águas, que são sepultadas pelos deslizamentos.
Os agricultores, gente que passou seus anos de vida misturados
com o trabalho da terra, o amor às
plantas, como um raio, vêem essa
própria terra e árvores enfurecidas
se voltarem contra eles, sepultá-los. O relato das duas crianças de
Blumenau, que nem o nome os
bombeiros conseguiram guardar,
de dois e oito anos: perdem pai,
mãe e todos os irmãos e não entendem nem sabem o que aconteceu
com os outros. E nem chorar podem, porque os olhos, ainda ignorantes de tudo, ainda brilham na
espera dos que jamais chegarão.
São os relatos das casas, construídas pelo trabalho duro dos
anos, tragadas pelas avalanches e
pelos deslizamentos. Todos choram, os olhos são feitos para ver e
para chorar, como dizia o Padre
Vieira, porque os cegos choram e
não vêem, e os que vêem choram
para ver.
A solidariedade, a misericórdia
-essa virtude que foi ensinada como a visão de um caminho para o
céu-, tocam a todos, mas são incapazes de sarar as feridas da alma
que acompanham essas tragédias.
Os habitantes do vale do Itajaí
abandonaram as terras baixas por
causa das enchentes, subiram os
morros para maior segurança, e as
águas que destruíam em baixo,
agora, vêm de cima e desmancham
os morros, levando-os de volta ao
vale de onde saíram, já sem vida.
Antigamente, nessas horas, os
padres advertiam o povo, mostrando nessas desgraças o castigo de
Deus. Hoje nós sabemos que muitas vezes são respostas à destruição
da natureza, que reage e revolta-se
com a violência que lhe infligiram.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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