São Paulo, sábado, 28 de novembro de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

NÃO

Parceiros estratégicos?

ERIC FARNSWORTH

A VISITA do presidente do Irã ao Brasil levou vários observadores a questionar se a conversa sobre a parceria estratégica entre Brasil e EUA na conduta dos assuntos hemisféricos -na verdade, globais- não passaria de algo que se deseja, mas que, concretamente, não existe.
Provavelmente não há nenhuma questão internacional de importância maior, na visão coletiva de Washington, que os assuntos do Oriente Médio. Entre estes, uma ameaça nuclear iraniana emergente é vista como "existencial" -ou seja, virtualmente, tudo o que pode ser feito será considerado no esforço para limitar as ambições nucleares iranianas.
Nesse contexto, a visita de Mahmoud Ahmadinejad ao Brasil tocou uma nota alta e dissonante. Ao dar as boas-vindas ao líder do Irã, o Brasil proporcionou farta dose de oxigênio aos esforços iranianos para passar por cima do seu crescente isolamento internacional.
Sejam quais forem as justificativas do convite, a impressão deixada pela visita foi a de que a posição iraniana foi reforçada pela acolhida calorosa que Ahmadinejad teve. Esse fato foi notado em Washington e em outras capitais ocidentais, mas não necessariamente como alguns setores poderiam ter previsto.
O fato é que os dois países são soberanos. Seus líderes podem reunir-se com quem bem entenderem. A questão não é essa. A questão é sobretudo a seguinte: em vista da crescente influência internacional do Brasil e de seu desejo apropriado de exercer um papel maior no palco mundial, com que finalidades o país vai fazer uso dessa posição emergente?
Com isso em mente, é possível que prevaleça uma parceria real com os EUA? A meu ver, a resposta é "sim". O "timing" da visita do líder iraniano foi infeliz, de fato, e até mesmo desavisado. Entretanto, desde que seja um episódio que não se repita, as áreas de cooperação e colaboração entre Brasil e EUA têm peso muito maior.
Desde questões hemisféricas, como as operações conjuntas de manutenção da paz no Haiti, até questões globais, como energia e mudanças climáticas, a agenda é ampla e profunda. E ela deve continuar a ser priorizada pelos dois governos.
O êxito, contudo, vai depender de um ponto fundamental. Para os EUA, precisamos aceitar a proeminência crescente do Brasil e procurar ativamente construir um relacionamento que leve em conta seus interesses legítimos de segurança e econômicos.
Para o Brasil, a cooperação precisa ser vista como mutuamente recompensatória, e não como uma questão de "ou um, ou outro". Em outras palavras, a ascensão do Brasil não precisa ser vista como algo que terá que acontecer às expensas dos EUA.
As questões com as quais os dois países se defrontam são formidáveis e não podem ser enfrentadas por nenhum deles sozinho. As mudanças climáticas são um exemplo. Os Estados Unidos são o maior consumidor de energia do mundo.
As necessidades energéticas do Brasil estão crescendo, o país já possui uma matriz energética substancialmente "limpa" e é um líder mundial em fontes energéticas alternativas. Ao mesmo tempo, o Brasil tem um papel de grande importância a exercer na proteção da Amazônia, cujo desmatamento já é, na realidade, um problema global.
Com certeza os dois países podem e, de fato, precisam encontrar maneiras de trabalhar juntos nas reuniões de Copenhague -e além dela- para forjar um consenso global em torno desses problemas muito difíceis.
Também as questões comerciais globais pedem uma abordagem colaborativa entre EUA e Brasil. O programa americano de subsídios e apoio agrícolas com certeza é equivocado, mas uma das maneiras mais certeiras de desmontá-lo é com a colaboração de ambos os países para levar a Rodada Doha a uma conclusão exitosa.
Em última análise, o imperativo da cooperação entre Brasil e Estados Unidos em torno de muitas questões críticas é urgente. Desde que seja minimizado o impacto da visita recente do líder iraniano, o futuro das relações bilaterais será promissor.

ERIC FARNSWORTH, mestre em relações internacionais, é vice-presidente do Conselho das Américas, em Washington. É ex-funcionário do Departamento de Estado dos EUA e trabalhou na Casa Branca como assessor político sênior para Assuntos Hemisféricos (1995-1998).

Tradução de Clara Allain.


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