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O mar e a Lagoa
CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - Numa dessas reuniões que chamam de "sociais", e onde se fala de tudo e de nada na base de
uma falta de assunto generalizada,
um cara tentava provar que a Lagoa
tinha apenas uma mídia forte. É considerada a melhor paisagem do Rio,
mas o bom mesmo é morar na orla, ou
seja, em frente ao mar que vai do Leme aos confins da Barra.
Como se vê, um assunto besta, digno
dessas festas de fim de ano. Como único morador da Lagoa presente na roda, senti-me na obrigação de defender
minha paisagem e justificar o pesadíssimo IPTU que acabo de receber.
Lembrei o Darcy Ribeiro, que morava num quarteirão da praia de Copacabana. Ele jurava que, em dias claros, estando o sol a favor, podia-se
avistar o litoral da África, do outro lado do oceano.
Mais: aspirando com força (e o vento não estivesse contra), ele sentia o
perfume de carnes nuas, aquilo que
chamava de "bodum" de africanas esguias e sensuais.
Para falar com franqueza, eu achava o Darcy tão divertido que tentei diversas vezes a experiência. Por mais
que olhasse em direção à África, o máximo que consegui enxergar, certa
manhã, foi uma espécie de urubu que
veio vindo em minha direção até se
transformar num pontinho escuro
dentro da vista que me provocou um
início de conjuntivite.
Quanto ao perfume das mulheres
nuas, bem que tentei sentir-lhes o gosto e apelo. Esvaziei completamente os
pulmões e aspirei com força. O vento
estava a favor. Repeti a experiência
uma meia dúzia de vezes. Nas primeiras, nada sentia. Na penúltima, descobri realmente um cheiro que, de acordo com a boa vontade, podia lembrar
mulheres nuas no cio.
Animado com a perspectiva, respirei
mais fundo. Eu estava no Posto 6, o
Darcy morava no Posto 5, onde funciona uma elevatória de esgoto que
geralmente não funciona. Com os pulmões quase tomados por aquele ar excitante, consegui identificar aquele
cheiro. Acho que o Darcy morreu equivocado.
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