São Paulo, segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

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Lucros fora

Letargia doméstica favorece remessa de lucros ao exterior; saldos comerciais desafiam política econômica

A CONTA corrente -registro das transações da economia brasileira com o exterior- apresentou um saldo positivo de US$ 13,5 bilhões, o equivalente a 1,4% do PIB em 2006. O superávit comercial (exportações menos importações) de US$ 46,1 bilhões foi mais do que suficiente para cobrir os US$ 36,8 bilhões em gastos com serviços (transportes, fretes, turismo) e rendas (remessas de lucros e juros).
A novidade foi a mudança de patamar nas remessas de lucros e dividendos de empresas estrangeiras aqui instaladas. Esse fluxo para fora do país saltou de US$ 5,2 bilhões em 2002 para US$ 16,4 bilhões em 2006. O pagamento de juros a credores estrangeiros, por seu turno, caiu de US$ 13,1 bilhões para US$ 11,3 bilhões no período.
Esse movimento, no que tange à conta de juros, reflete a redução no estoque da dívida externa e o nível mais baixo de juros em vigor no mercado internacional. Entre 2002 e 2006, a dívida do Brasil com o restante do mundo diminuiu R$ 41,8 bilhões. Já a aceleração dos lucros remetidos para fora só pode ser explicada pela baixa perspectiva de crescimento da economia brasileira.
Diante do desempenho "haitiano" do PIB, as corporações globais preferiram recolher seus lucros no Brasil e investi-los em outros países a aplicá-los em novos negócios aqui. Em 2006, as remessas de lucros representaram 87% dos investimentos diretos realizados pelas multinacionais no Brasil (US$ 18,9 bilhões).
Encerrou-se o ciclo marcado pela restrição no balanço de pagamentos, que estimulou as empresas brasileiras a endividar-se em moeda estrangeira e favoreceu os investimentos externos no país. Desde 2003, está em curso um novo tipo de inserção da economia brasileira na globalização, agora caracterizado por expressivos saldos comerciais -sustentados pelo agronegócio e pelas matérias-primas metálicas, em um cenário global altamente favorável.
Contraditoriamente, o próprio êxito comercial desencadeia pressões pela valorização da taxa de câmbio, com efeitos deletérios em grande parte do parque produtivo brasileiro. A indústria tem sido especialmente prejudicada pelo estímulo às importações de concorrentes estrangeiros. Completa-se, assim, um ciclo vicioso, pois a baixa perspectiva da economia doméstica favorece a remessa de lucros das multinacionais.
Supondo a persistência desse cenário nos próximos quatro anos, haverá um saldo estimado em US$ 180 bilhões acumulado na conta do comércio externo brasileiro. O que fazer com esses recursos não é uma decisão trivial da política econômica. O grande desafio será canalizá-los para a modernização do parque industrial e para a expansão da produção e do emprego em território nacional.


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