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LAURA CAPRIGLIONE
De novo,
Angra 3
MENINOS e meninas de esquerda nos anos 70 nem
se perguntavam se podia
não ser verdade o que dizia a atriz
Jane Fonda. Em 1972, ela foi pessoalmente a Hanói, levar apoio ao
povo vietnamita que enfrentava o
Exército americano. Posou para fotos ao lado de soldados prontos para matar marines, fez discurso na
rádio local, liqüefez o moral das
tropas ianques.
Com uma folha de serviços dessas, toda a turma acreditou piamente quando a mesma Jane Fonda apareceu em 1979, no filme "A
Síndrome da China", falando de
reatores nucleares que podiam
aquecer-se descontroladamente,
derretendo a estrutura que os contêm e afundando no chão "até atingir a China", daí o nome do filme.
A ficção ficou com cara de profecia porque, 12 dias depois de seu
lançamento, aconteceu o acidente
com a usina nuclear americana de
Three Mile Island, um susto.
No Brasil, 1975 foi o ano do Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, que
previa, entre outros itens, a construção das usinas de Angra 2 e 3.
Ainda sob ditadura militar, censura e repressão, os cientistas conseguiram uma mobilização inédita da opinião pública contra o acordo.
Diziam que o Brasil estava comprando uma caixa-preta que não
previa a transferência de tecnologia. Que as unidades nucleares de
Angra se assentariam sobre uma
falha geológica, com todos os riscos
aí embutidos. Que a energia atômica era perigosa, suja. Que era cara.
Agora, como se nada fosse, Lula
inclui no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) a retomada
de Angra 3, na qual já se consumiram US$ 750 milhões (cerca de R$
1,6 bilhão) para a compra de equipamentos, além de US$ 20 milhões
(ou R$ 43 milhões) por ano em manutenção. Mais US$ 1,7 bilhão (R$
3,6 bilhões) ainda são necessários
para a conclusão da usina, que começaria a operar em 2013.
A favor, diz-se que a matriz energética brasileira tem de ser diversificada, fala-se em um possível novo
apagão e até que a energia nuclear é
uma das menos agressivas ao ambiente. Contra, ouvem-se poucas
vozes, entre elas a do Ministério do
Meio Ambiente e a do Greenpeace,
que vêm com seus moinhos de vento defender as energias eólica e solar.
Embora desde o ano passado
existam documentos mostrando o
empenho do governo em estudos
sobre a viabilidade econômica da
usina, Lula não quis discutir Angra
durante a campanha eleitoral -para que mais marola? Até quinta-feira, a construção da usina constava em página eletrônica do Ministério do Planejamento.
Foi depois retirada da rede, mas não dos planos. Por que o mistério?
Quase 30 anos depois, Jane Fonda já fez autocrítica de sua ação no
Vietnã, já se tornou propagandista
de um método de fitness. Virou
lembrança. OK. Apesar disso, bem
que eu queria saber o que é que farão com aquele tal lixo radioativo.
LAURA CAPRIGLIONE é repórter especial de Cotidiano .
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