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MÁRIO MAGALHÃES
Decadência sem elegância
RIO DE JANEIRO - Tristes almas
as que, a pretexto de cultivar o passado, se alimentam da aversão ao
novo. Que resmungam "ah, no meu
tempo..." a cada amanhecer, como
se não fosse hoje o seu tempo. Pobre do reacionarismo de quem já
morreu e não sabe. De quem não vê
no sol nascente a poesia luminosa
de outrora.
Não se filia ao saudosismo, contudo, o cotejo dos dias presentes
com os que já se foram. Ossos do
ofício, ouvi a fita de um embate na
Câmara nos idos de fevereiro de
1964.
O trabalhista Almino Affonso
praguejava contra manifestantes
que impediram um evento pelas reformas de base. A oposição, o udenista Adauto Lúcio Cardoso à frente, amaldiçoava o governo Jango.
Duelo brilhante. Adauto não falava como Carlos Lacerda, e talvez Almino não estivesse à altura da verve
de Leonel Brizola, a despeito do gatilho dos seus argumentos parecer
mais rápido. Mas eram deputados
bons demais. Havia outros.
Lembrei-me do avesso, os discursos medíocres de Aldo Rebelo e José Thomaz Nonô na última disputa da Câmara. Beira a covardia comparar a turma atual com bancadas como a da Constituinte de 1946. Sem
eleição para os Executivos estaduais, a elite política -à esquerda e
à direita- concorreu. Agora o plenário é socialmente mais democrático, mas exagera na indigência de
mentes e costumes.
Na velha gravação sobressai o homem cordial. Ao pedido de aparte
para fustigá-lo, Almino concede:
"Vossa Excelência acorre tão cedo
que já é uma alegria para mim". Hoje o presidente da Casa pronuncia
tolices como "voto se colhe na urna,
e não em cacho de banana". Ao contrário da antiga música de Lobão, a
tamanha decadência nem a elegância sobreviveu.
mariomagalhaes@folhasp.com.br
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