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RUY CASTRO
Terror sob os escombros
RIO DE JANEIRO - Se você se
sente esquisito ao penetrar naquele
tubo para fazer uma inofensiva ressonância magnética -algo lhe diz
que podem esquecê-lo lá dentro e
só virem resgatá-lo depois do Carnaval-, imagine o que é estar vivo e
soterrado no Haiti, 15 dias depois
do terremoto, sem comida, sem
água, sem qualquer perspectiva de
que venham salvá-lo ou haja equipes trabalhando nisso, ou mesmo
que saibam que você está ali.
Quinze dias soterrado equivalem
a 21.600 minutos, ou 1.296.000 segundos, sem sequer saber o que
aconteceu à sua volta -para todos
os efeitos, pode ter sido o bujão de
cozinha que explodiu-, que um
tremor destruiu sua cidade e matou
pelo menos 150 mil pessoas e que o
mundo inteiro tenta ajudar. A angústia se dá minuto a minuto. Para
ter uma ideia, marque no relógio
quanto custa um minuto para passar. Ou um segundo.
Depois de duas semanas presas,
duas meninas, 16 e 14 anos, foram
retiradas de sob os escombros nos
últimos dias. Antes delas, no 11º dia,
foi um homem de 24 anos, que teve
a sorte de ficar sob os destroços de
um supermercado -pelo menos tinha toda espécie de porcarias e refrigerantes para sobreviver. Mas
outro, de 22 anos, resgatado no 10º
dia, apesar de estar num bolsão de
ar formado pelos móveis que caíram sobre ele, só tinha a própria
urina para beber.
Estamos falando, claro, de quem
não teve, digamos, o corpo imobilizado por uma viga -caso em que já
estaria sendo comido vivo pelos
vermes, como aconteceu à senhora
de 84 anos, retirada ainda consciente no 10º dia.
Nenhum livro, filme ou série de
TV jamais poderá dar conta da real
dimensão da tragédia de Porto
Príncipe. Mesmo a simples reconstituição de um desses dramas individuais está além da capacidade humana de descrever o terror.
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