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JOSÉ SARNEY
A Nina e MJ
O REPÓRTER PABLO Ordaz
cobriu os primeiros dias da
tragédia do Haiti e como
poucos nos revelou em profundidade o aspecto humano que perpassa o mundo invisível de uma catástrofe dessa magnitude. São desgraças individuais que são símbolo
e exemplo do que acontece no olho
desse furacão sem vento que atingiu o mais pobre entre os mais pobres, o sofrido povo do Haiti.
Em 2008, dois tornados destruíram sua frágil infraestrutura. Agora, a tragédia humana e física não
se tem como dimensionar. Não são
somente os edifícios que caíram, os
mortos, os feridos, os desesperados. São os dramas pessoais que
trespassam o destino das pessoas e
da nação. Os depoimentos que lemos são uma busca de palavras para dizer o que as palavras não dizem. Um sobrevivente espanhol
contou: "Era uma onda, a terra subia e baixava, devorando tudo".
Ainda hoje tem a sensação de que
"tudo se move, só existe o pó, não
quero ver".
Mas o que se desdobra é a fome, o
desespero por água, comida, remédios. Lançam bombas de gás para
afastá-los. Como no Afeganistão.
Mas lá luta-se contra os que querem acabar a humanidade, aqui levamos uma mão estendida de solidariedade aos que buscam viver.
É desse mundo que Ordaz nos
traz o testemunho de visita a um
hospital improvisado. Ele pergunta: "De que vocês mais precisam?".
"Morfina". Porque ali os sons que
se ouvem são os gritos dos dilacerados pela dor. Amputações sem
anestesia, e o que mais têm são mutilados pelos desmoronamentos.
Num colchão sujo uma menina.
Os olhos tristes que não brilham.
Um esparadrapo na testa com uma
data, 21.1.2010, e duas iniciais, MJ.
Tem apenas um coto envolto em
gaze no começo do úmero, perto do
ombro. "O que se passou contigo?"
Abstrata, repete: "Meu braço ficou
lá". Ela foi uma das amputadas sem
anestesia, e agora ali aguarda um
encontro com qual destino? Os
seus estão todos mortos: "Meu braço ficou no colégio".
Assisto em Brasília, na Base Aérea, às cerimônias fúnebres de saudades aos nossos bravos soldados
que morreram no Haiti. Também
são destinos acabados. Famílias
destroçadas. Carreiras mortas. Ouço a corneta tocar silêncio. O soluço contido dos parentes.
Uma guarda de honra afasta um
caixão. O corpo será sepultado em
Brasília. Separa-se de seus companheiros.
Saem para acompanhá-lo
sua mulher, de preto, com dignidade, e uma menina com os olhos
tristes e sem brilho. Deve ser ter
seus cinco anos. Acompanha o corpo do seu pai, o major Adolfo. Seu
nome, Nina. Meus olhos pedem para chorar com eles. Ela, como Maria José, é vítima da tragédia.
Vão
ao encontro do seu destino. Nina
viverá sem o carinho do seu pai,
mas credora da solidariedade e carinho de todo o Brasil, filha de herói. E MJ?
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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