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Barafunda eleitoral
Decisão do TSE acerca do mandato parlamentar é inoportuna e lança uma série de incertezas
sobre o sistema político
CRIAR mecanismos para
reforçar a fidelidade
partidária é um dos imperativos da tão almejada quanto postergada reforma
política brasileira. A incoerência
ideológica das siglas se deve em
alguma medida ao virtual hiato
entre partidos e parlamentares.
Daí não se segue que tenha sido oportuno o entendimento do
Superior Tribunal Eleitoral
(TSE), em resposta a consulta
feita pelo ex-PFL, agora Democratas, de que o mandato de deputados federais, estaduais e vereadores pertence ao partido, e
não ao parlamentar.
Numa democracia, até a mais
necessária das reformas precisa
ser adotada observando-se determinados ritos. Cabe ao Legislativo, e não ao Judiciário, aprovar leis. O TSE cometeu aqui
aquilo que os norte-americanos
chamam de "legislate from the
bench" (legislar dos tribunais).
A decisão dos ministros eleitorais lança grandes incertezas sobre a estabilidade do processo
político, pela qual a corte deveria
zelar. Na atual legislatura, 36 deputados federais abandonaram
seus partidos de origem. A resposta à consulta abre espaço para que as agremiações traídas
tentem reaver os mandatos, o
que poderá implicar cassações.
Pode ser razoável que um parlamentar perca o cargo se deixar
a legenda pela qual foi originalmente eleito, mas é preciso que
os interessados sejam informados da existência de tal norma
antes de sua aplicação. "Nulla
poena sine lege" (não há pena
sem lei anterior que a defina), já
afirmavam os romanos.
A decisão do TSE não só cria a
possibilidade de que parlamentares venham a ser cassados retroativamente como que o sejam
por adotar práticas sancionadas
de forma plena pelos (maus) costumes políticos e pelos tribunais,
que jamais incomodaram nenhum congressista trânsfuga.
Não se deve depreender dessas
observações que deputados sejam inocentes, injustamente
perseguidos pela Justiça Eleitoral. A decisão do TSE ocorre em
parte porque os parlamentares,
por inação e interesse, deixaram
que se abrisse um fosso entre o
marco regulatório e os justos anseios da população.
Dormitam na Câmara vários
projetos que reforçariam a fidelidade. Não são aprovados porque
subtrairiam dos deputados o "direito de trair", o qual pode render valiosas benesses a seu titular -em que pese haver casos de
desfiliação por legítima desavença programática. O Executivo, é
claro, também participa desse
jogo, valendo-se de manobras inconfessáveis para aliciar base de
sustentação.
Que a ação desastrada do TSE
ao menos sirva para que os deputados aprovem um estatuto claro
sobre a fidelidade partidária.
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