São Paulo, quinta-feira, 29 de março de 2007

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Barafunda eleitoral

Decisão do TSE acerca do mandato parlamentar é inoportuna e lança uma série de incertezas sobre o sistema político

CRIAR mecanismos para reforçar a fidelidade partidária é um dos imperativos da tão almejada quanto postergada reforma política brasileira. A incoerência ideológica das siglas se deve em alguma medida ao virtual hiato entre partidos e parlamentares.
Daí não se segue que tenha sido oportuno o entendimento do Superior Tribunal Eleitoral (TSE), em resposta a consulta feita pelo ex-PFL, agora Democratas, de que o mandato de deputados federais, estaduais e vereadores pertence ao partido, e não ao parlamentar.
Numa democracia, até a mais necessária das reformas precisa ser adotada observando-se determinados ritos. Cabe ao Legislativo, e não ao Judiciário, aprovar leis. O TSE cometeu aqui aquilo que os norte-americanos chamam de "legislate from the bench" (legislar dos tribunais).
A decisão dos ministros eleitorais lança grandes incertezas sobre a estabilidade do processo político, pela qual a corte deveria zelar. Na atual legislatura, 36 deputados federais abandonaram seus partidos de origem. A resposta à consulta abre espaço para que as agremiações traídas tentem reaver os mandatos, o que poderá implicar cassações.
Pode ser razoável que um parlamentar perca o cargo se deixar a legenda pela qual foi originalmente eleito, mas é preciso que os interessados sejam informados da existência de tal norma antes de sua aplicação. "Nulla poena sine lege" (não há pena sem lei anterior que a defina), já afirmavam os romanos.
A decisão do TSE não só cria a possibilidade de que parlamentares venham a ser cassados retroativamente como que o sejam por adotar práticas sancionadas de forma plena pelos (maus) costumes políticos e pelos tribunais, que jamais incomodaram nenhum congressista trânsfuga.
Não se deve depreender dessas observações que deputados sejam inocentes, injustamente perseguidos pela Justiça Eleitoral. A decisão do TSE ocorre em parte porque os parlamentares, por inação e interesse, deixaram que se abrisse um fosso entre o marco regulatório e os justos anseios da população.
Dormitam na Câmara vários projetos que reforçariam a fidelidade. Não são aprovados porque subtrairiam dos deputados o "direito de trair", o qual pode render valiosas benesses a seu titular -em que pese haver casos de desfiliação por legítima desavença programática. O Executivo, é claro, também participa desse jogo, valendo-se de manobras inconfessáveis para aliciar base de sustentação.
Que a ação desastrada do TSE ao menos sirva para que os deputados aprovem um estatuto claro sobre a fidelidade partidária.


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