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Inquisição e colônia
CLÓVIS ROSSI
São Paulo - É compreensível que a
Igreja Católica tenha adotado um perfil bem mais moderado, na arena política, ao fim do ciclo militar. Enquanto
durou o regime autoritário, uma parte
significativa da Igreja ofereceu voz aos
que não tinham voz.
E, no regime militar, só tinham voz
os agentes da ditadura e seus esbirros
no território político.
Agora, todos, mal ou bem, têm voz.
O MST, por exemplo, não precisa da
Igreja Católica para invadir terras. E,
quando o faz, causa ruído suficiente
para que suas posições sejam ouvidas,
para serem respeitadas ou odiadas.
Entre adotar um perfil baixo na política e resvalar para o mais puro servilismo, para a vassalagem mais indecente, vai no entanto uma ponderável
distância. Foi justamente essa distância que percorreu o bispo de Eunápolis
(BA), d. José Edson Santana Oliveira,
ao pedir desculpas ao Vaticano pelo
discurso do índio pataxó Matalauê,
na missa dos 500 anos de, digamos,
evangelização do Brasil.
Matalauê não cometeu uma única e
miserável vírgula que não correspondesse aos fatos, presentes e passados.
Se os fatos são desagradáveis aos ouvidos de dom Angelo Sodano, o cardeal
italiano enviado pela Santa Sé, que se
condenem os fatos, não o discurso em
que eles são rememorados.
O comportamento do bispo de Eunápolis é bem um retrato do estado colonial a que o Brasil vai sendo reduzido, em todas as dimensões. Colônia do
mercado, no plano econômico, e agora
colônia de um Vaticano que prefere
uma versão adocicada de uma história cruel à realidade.
Antigamente, ainda havia a possibilidade de se queixar ao bispo. Agora,
quem se queixa não aos bispos, mas
na presença deles (ou de alguns deles),
é censurado como se a Santa Inquisição ainda estivesse viva e presente.
Aliás, está, de uma forma mais melíflua, mas não menos avassaladora como o demonstram a reação do bispo
de Eunápolis e o silêncio, até agora, de
seus pares da CNBB.
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