São Paulo, sábado, 29 de abril de 2000


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Inquisição e colônia

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - É compreensível que a Igreja Católica tenha adotado um perfil bem mais moderado, na arena política, ao fim do ciclo militar. Enquanto durou o regime autoritário, uma parte significativa da Igreja ofereceu voz aos que não tinham voz.
E, no regime militar, só tinham voz os agentes da ditadura e seus esbirros no território político.
Agora, todos, mal ou bem, têm voz. O MST, por exemplo, não precisa da Igreja Católica para invadir terras. E, quando o faz, causa ruído suficiente para que suas posições sejam ouvidas, para serem respeitadas ou odiadas.
Entre adotar um perfil baixo na política e resvalar para o mais puro servilismo, para a vassalagem mais indecente, vai no entanto uma ponderável distância. Foi justamente essa distância que percorreu o bispo de Eunápolis (BA), d. José Edson Santana Oliveira, ao pedir desculpas ao Vaticano pelo discurso do índio pataxó Matalauê, na missa dos 500 anos de, digamos, evangelização do Brasil.
Matalauê não cometeu uma única e miserável vírgula que não correspondesse aos fatos, presentes e passados. Se os fatos são desagradáveis aos ouvidos de dom Angelo Sodano, o cardeal italiano enviado pela Santa Sé, que se condenem os fatos, não o discurso em que eles são rememorados.
O comportamento do bispo de Eunápolis é bem um retrato do estado colonial a que o Brasil vai sendo reduzido, em todas as dimensões. Colônia do mercado, no plano econômico, e agora colônia de um Vaticano que prefere uma versão adocicada de uma história cruel à realidade.
Antigamente, ainda havia a possibilidade de se queixar ao bispo. Agora, quem se queixa não aos bispos, mas na presença deles (ou de alguns deles), é censurado como se a Santa Inquisição ainda estivesse viva e presente. Aliás, está, de uma forma mais melíflua, mas não menos avassaladora como o demonstram a reação do bispo de Eunápolis e o silêncio, até agora, de seus pares da CNBB.


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