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O descanso do guerreiro
CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - Pergunta que ninguém me fez, mas faço a vós outros: o
que deve fazer o artista quando não
está fazendo a sua arte? Luchino Visconti pensava produzir "Morte em Veneza" com Marcello Mastroianni no
papel do complicado músico no qual
Thomas Mann meteu o compositor
Gustav Mahler.
Visconti chegou a contatar Marcello,
mas não o contratou. Por quê? "Ora
-pensou Visconti-, ele é o melhor
ator do mundo, mas, depois de cada
filmagem, vai para a pizzaria mais
vulgar e come uma pizza deste tamanho".
Daí que contratou um inglês, Dirk
Bogarde, que, aliás, saiu-se muito bem
no papel. Dirk filmava o dia todo e, à
noite, ia para o hotel estudar o roteiro
do dia seguinte.
Mudando de gênero, mas ficando na
arte. Perguntaram a Claudio Abbado
qual o melhor músico, o de uma orquestra alemã, como a Filarmônica de
Berlim, ou o de uma orquestra americana, como a de Nova York.
O maestro, que é italiano, respondeu
que o músico de uma sinfônica alemã,
depois de ensaiar seis horas por dia,
vai para casa e descansa tocando música de câmara. O músico de uma sinfônica americana, depois do ensaio,
vai tocar no rádio, no teatro ou na TV.
E os escritores? Balzac e Dumas descansavam de um romance fazendo
outro romance. Goya pintava quadros
para a corte espanhola e, quando ia
para a sua quinta, descansava desenhando seus monstros goyescos. Michelangelo, quando desceu do teto da
Capela Sistina, estava louco para lascar um bloco de mármore no qual ele
via uns escravos que hoje estão num
museu em Florença.
E os políticos? Como descansa um
político? Tibério matava moscas num
quarto fechado. Churchill pintava. Hitler tomava chá com tortas de creme.
Mussolini, como Sherlock Holmes, tocava violino. Político bom é o brasileiro, que descansa da política fazendo
política.
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