|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O financiamento público de campanhas eleitorais deve ser adotado no Brasil?
NÃO
Há outros usos para as verbas
CARLOS VELLOSO
Crianças perambulam pelas ruas,
faltam vagas nas escolas públicas, as
verbas para a saúde escasseiam, é preciso investir em projetos urbanísticos
e não há dinheiro para a construção
de casas populares, que poderiam ser
financiadas a longo prazo. Diante desse quadro, ainda há quem sustente
que as campanhas eleitorais devam
ser pagas com dinheiro público. Não,
eu não concordo com a utilização de
dinheiro público, em espécie, no financiamento de campanhas de candidatos a cargos eletivos. Isso, entretanto, não quer dizer que o nosso entendimento seja no sentido de que o poder público não possa participar desse
financiamento.
Pode e deve. Mas como?
No discurso que proferi quando assumi a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, em dezembro de 1994,
conclamei a sociedade brasileira a refletir sobre a necessidade de tornar as
instituições políticas mais sérias e
acreditadas. Entre os temas que propus à reflexão, um foi exatamente o do
financiamento das campanhas: "É
preciso refletir numa maior participação do Estado nesse financiamento,
menos na distribuição de verbas e
muito mais na concessão de incentivos fiscais ou ressarcimento fiscal aos
particulares que se disponham a financiar a campanha eleitoral".
A comissão de juristas que designamos, e que a mídia denominou de
"notáveis", dividiu-se em cinco subcomissões temáticas. A subcomissão
de financiamento de campanhas, que
teve como relator o ex-deputado Egídio Ferreira Lima, desdobrou a matéria em cinco partes: parte geral, propaganda paga na imprensa escrita,
propaganda gratuita no rádio e na TV,
pesquisa e arrecadação e aplicação de
recursos financeiros na campanha.
Esses recursos financeiros, para o
custeio da campanha, seriam obtidos
mediante doações, com identificação
obrigatória dos doadores, pessoas físicas ou jurídicas. As doações observariam limites, que também seriam observados relativamente aos recursos
próprios utilizados. Propôs a subcomissão que as doações, em dinheiro,
seriam dedutíveis do Imposto de Renda, até um certo limite do rendimento
bruto das pessoas físicas ou do lucro
tributável das pessoas jurídicas.
As doações seriam documentadas
mediante formulário próprio, elaborado em série própria para cada partido, e os comprovantes eleitorais seriam utilizados por candidatos e pelos
partidos e seriam distribuídos sob a
responsabilidade destes e a supervisão
e fiscalização da Justiça Eleitoral.
Isso estimularia as doações. E estimularia, sobremaneira, a identificação do doador, interessado em gozar
do ressarcimento fiscal.
Ives Gandra Martins, que integrou
essa subcomissão, escreveu artigo,
que está no livro "Direito Eleitoral",
cuja edição foi coordenada pela professora Carmen Lúcia Antunes Rocha
e por mim. Ives deixa expresso o seu
entendimento em favor da adoção
dessa técnica de participação do poder nas campanhas eleitorais.
Em tema de financiamento de campanhas eleitorais, é preciso fazer funcionar a imaginação criativa. Há modos e formas de o poder público participar: o que não deve fazer é utilizar
verbas públicas em tais campanhas,
verbas que seriam mais bem utilizadas em áreas prioritárias.
Carlos Velloso, 64, é presidente do Supremo Tribunal Federal. Foi presidente do Tribunal Superior Eleitoral (1994-96). É professor titular aposentado da UnB
(Universidade de Brasília).
Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Michel Temer - Sim: Pela igualdade
Índice
|