São Paulo, sábado, 29 de abril de 2000


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O financiamento público de campanhas eleitorais deve ser adotado no Brasil?

NÃO

Há outros usos para as verbas

CARLOS VELLOSO

Crianças perambulam pelas ruas, faltam vagas nas escolas públicas, as verbas para a saúde escasseiam, é preciso investir em projetos urbanísticos e não há dinheiro para a construção de casas populares, que poderiam ser financiadas a longo prazo. Diante desse quadro, ainda há quem sustente que as campanhas eleitorais devam ser pagas com dinheiro público. Não, eu não concordo com a utilização de dinheiro público, em espécie, no financiamento de campanhas de candidatos a cargos eletivos. Isso, entretanto, não quer dizer que o nosso entendimento seja no sentido de que o poder público não possa participar desse financiamento.
Pode e deve. Mas como?
No discurso que proferi quando assumi a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, em dezembro de 1994, conclamei a sociedade brasileira a refletir sobre a necessidade de tornar as instituições políticas mais sérias e acreditadas. Entre os temas que propus à reflexão, um foi exatamente o do financiamento das campanhas: "É preciso refletir numa maior participação do Estado nesse financiamento, menos na distribuição de verbas e muito mais na concessão de incentivos fiscais ou ressarcimento fiscal aos particulares que se disponham a financiar a campanha eleitoral".
A comissão de juristas que designamos, e que a mídia denominou de "notáveis", dividiu-se em cinco subcomissões temáticas. A subcomissão de financiamento de campanhas, que teve como relator o ex-deputado Egídio Ferreira Lima, desdobrou a matéria em cinco partes: parte geral, propaganda paga na imprensa escrita, propaganda gratuita no rádio e na TV, pesquisa e arrecadação e aplicação de recursos financeiros na campanha.
Esses recursos financeiros, para o custeio da campanha, seriam obtidos mediante doações, com identificação obrigatória dos doadores, pessoas físicas ou jurídicas. As doações observariam limites, que também seriam observados relativamente aos recursos próprios utilizados. Propôs a subcomissão que as doações, em dinheiro, seriam dedutíveis do Imposto de Renda, até um certo limite do rendimento bruto das pessoas físicas ou do lucro tributável das pessoas jurídicas.
As doações seriam documentadas mediante formulário próprio, elaborado em série própria para cada partido, e os comprovantes eleitorais seriam utilizados por candidatos e pelos partidos e seriam distribuídos sob a responsabilidade destes e a supervisão e fiscalização da Justiça Eleitoral.
Isso estimularia as doações. E estimularia, sobremaneira, a identificação do doador, interessado em gozar do ressarcimento fiscal.
Ives Gandra Martins, que integrou essa subcomissão, escreveu artigo, que está no livro "Direito Eleitoral", cuja edição foi coordenada pela professora Carmen Lúcia Antunes Rocha e por mim. Ives deixa expresso o seu entendimento em favor da adoção dessa técnica de participação do poder nas campanhas eleitorais.
Em tema de financiamento de campanhas eleitorais, é preciso fazer funcionar a imaginação criativa. Há modos e formas de o poder público participar: o que não deve fazer é utilizar verbas públicas em tais campanhas, verbas que seriam mais bem utilizadas em áreas prioritárias.


Carlos Velloso, 64, é presidente do Supremo Tribunal Federal. Foi presidente do Tribunal Superior Eleitoral (1994-96). É professor titular aposentado da UnB (Universidade de Brasília).




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