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São Paulo, terça-feira, 29 de abril de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Reforma, realismo e simplicidade

MARCO MACIEL

Não sem motivo, a reforma tributária inscreveu-se como tema prioritário e inadiável da agenda brasileira contemporânea. Afinal, a política tributária tem repercussões imediatas no equilíbrio fiscal, no controle da inflação, no financiamento público do desenvolvimento e na tomada de decisão dos investidores privados, além de afetar diretamente o equilíbrio social.
Quando se fala em reforma tributária, duas questões logo se destacam: de um lado a extração fiscal, na qual se contrapõem a demanda por bens e serviços públicos e a elevação da carga tributária; de outro conflitos de natureza distributiva, que vão de questionamentos sobre a incidência social dos tributos às acirradas disputas da partilha de rendas entre União, Estados e municípios; entre Estados consumidores e Estados produtores; ou ainda entre Estados pobres e ricos. Portanto, ainda que sujeita a diferentes interpretações, a recorrência e a ênfase que se conferem à matéria apontam, minimamente, para um consenso quanto à necessidade de reformular partes relevantes do sistema tributário.
Se tomarmos por axioma a inexistência de modelos tributários universais, as proposições para uma reforma devem considerar não só o peso dos fatores circunstanciais, mas, sobretudo, o princípio da factibilidade. Ou seja, na prática não há como falar em reforma tributária ideal ou reforma tributária possível. Ela deve ser a expressão da mudança ajustada às nossas circunstâncias históricas, culturais, sociais e econômicas.
Isto posto, alio-me ao ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel na defesa de uma reforma seletiva e profunda, factível e permanente, equilibrada e bem fundamentada. Assinala Everardo: "A reforma tributária não deve pretender uma reestruturação completa do sistema tributário nacional. O atual modelo tem defeitos, assim como tem virtudes admitidas em outros países. Não deve, tampouco, ser compreendida como um evento, um fato histórico marcante. A reforma tributária deve ser entendida como um processo de contínuo ajustamento às novas circunstâncias; quanto mais permanente, menos drástico e inconveniente será. Esse processo continuado é comum à maioria dos países, não sendo inusitado ou estranho".
É verdade que muito se fez, durante os oito anos do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, no que concerne à reforma tributária entendida mais como um processo do que como um evento singular. Nesse período, notáveis progressos foram alcançados na reestruturação da tributação da renda, ombreando a legislação brasileira com as dos países mais desenvolvidos; das pequenas e microempresas, com a inovadora instituição do Simples; ou ainda a eliminação da cumulatividade do PIS.


Na prática não há como falar em reforma tributária ideal ou reforma tributária possível


Entretanto o processo de reforma tributária está a exigir novos e importantes passos especificamente relacionados à tributação do consumo e, por essa razão, apresentei no último dia 2, com o apoio de 30 senadores, proposta de emenda constitucional que trata primordialmente da reestruturação do ICMS, o mais importante tributo brasileiro incidente sobre o consumo.
Não obstante as modificações que se pretendem introduzir nos artigos 146 e 150 da Constituição e que têm o propósito de conferir mais equilíbrio nas relações entre o fisco e o contribuinte e tornar mais eficaz a ação fiscalizadora, a nova redação proposta para o parágrafo 2º do artigo 155 corresponde a uma radical e realista reestruturação do ICMS. Radical porquanto profunda, sem ser drástica ou improfícua; realista porquanto observa a necessidade de manter o equilíbrio intra e interfederativo.
Certamente as dificuldades do ICMS derivam de sua origem no antigo ICM de titularidade estadual. Exceto o Brasil, nenhum país que adota impostos sobre valor agregado na tributação do consumo -categoria em que está ICMS- confia sua titularidade a entidades subnacionais, especialmente pelas dificuldades que isso acarreta na desoneração das exportações e na aplicação de regras de origem ou destino na apropriação das receitas vinculadas a operações interestaduais. Esse fato, porém, não nos autoriza a cogitar alterá-lo, visto que a titularidade estadual do ICMS passou a integrar a realidade política nacional.
O mais sensato, portanto, é admitir a titularidade estadual como pressuposto de nosso federalismo fiscal. Essa hipótese afasta, "in limine", posições mais extremadas, que poderiam emperrar o processo de reforma, ao mesmo tempo em que nos lança ao desafio de buscar importantes aprimoramentos no imposto. E isso é possível, até porque a vigente legislação do ICMS é bastante complexa e vulnerável à evasão e à elisão fiscais.
Assim, as principais modificações que propus ao texto constitucional no que se refere ao ICMS são: fixação de um regulamento único, aprovado por órgão colegiado constituído por representantes da União, dos Estados e do Distrito Federal ; estabelecimento de alíquotas do ICMS pelo Senado Federal, por proposta do presidente da República, dos governadores ou dos senadores, segundo classes de mercadorias ou serviços, limitadas a cinco e definidas em lei complementar; instituição de regras uniformes, no âmbito nacional, quanto à substituição tributária, à compensação e cessão de créditos, aos regimes especiais ou simplificados de tributação, às datas de vencimento e pagamento do imposto e às hipóteses de diferimento; vedação de novos benefícios fiscais, a qualquer título, respeitados os já concedidos até 31 de dezembro de 2002; ampla desoneração das exportações; e implantação condicionada à aprovação da lei complementar do ICMS.
Dessa forma, a mudança se atém aos limites do equilíbrio fiscal, do pacto federativo e da observância dos direitos do cidadão -ou, em outras palavras, à necessária compatibilidade entre o desejado e o possível, o regional e o nacional, o coletivo e o individual. Daí por que defendo que a adoção do princípio do destino na legislação do ICMS não deve merecer atenção prioritária. A melhor solução é a manutenção do vigente critério misto, origem e destino, preservado na proposta de emenda constitucional que tramita no Senado.

Marco Maciel, 61, é senador da República (PFL-PE). Foi governador do Estado de Pernambuco (1978-82), ministro da Educação (governo Sarney) e vice-presidente da República (1995-98 e 1999-2002).


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