São Paulo, terça-feira, 29 de abril de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Um ovo de Colombo
JOAQUIM FALCÃO
Na medida em que as custas e taxas que a Fiat pagaria ao Judiciário não cobririam todos os custos que o Judiciário incorreria para julgar o caso (por exemplo, salário de juízes e serventuários, depreciação de investimentos etc...), quem possibilitaria o lucro da Fiat seria o orçamento do próprio Judiciário. A estratégia de procrastinar sentenças se revela, então, um subsídio velado, transferência indireta do orçamento do Judiciário para uma das partes. Trata-se de indevida apropriação privada de recursos públicos, de disfarçada privatização financeira de um ideal público, o ideal de justiça. A primeira novidade é a seguinte: tudo indica que o TST começa a fazer esses cálculos. Começa a se indignar com essa prática antipatriótica. Não quer mais ser usado. A segunda novidade é que o TST, com base na lei, multou a Fiat por litigância de má-fé, pelo caráter protelatório dos embargos e por causar prejuízo aos trabalhadores. Com a multa, o TST aumenta os custos do processo. Se essa atitude no Judiciário se disseminar -o que deveria-, o desafio vai ser impor multas em montante capaz de inverter o custo/benefício. Ou seja, tornar y sempre menor que x. Só assim se desestimulará esse tipo de litigância. Em alguns países escandinavos isso é prática corrente. O juiz pode considerar que o recurso, o agravo, é temerário e, como tal, impõe custos indevidos ao Judiciário: rouba o tempo do juiz e dos serventuários, acarreta desperdício público etc. O juiz simplesmente impõe esses custos à parte responsável. Se o próprio Judiciário começar a aplicar a lei atual, sobre lides temerárias e litigância de má-fé, e multar as partes responsáveis, cairá muito o número de recursos. Seriam menos processos, menos sobrecarga de trabalho. Mas onde está o ovo de Colombo? Muito simples. Está na hora de o Judiciário deixar de colocar a culpa da lentidão judicial no direito processual e nos advogados e agir mais determinadamente com os instrumentos de que já dispõe. Para se autodefender, o Judiciário não precisa de ajuda de ninguém. É o que evidencia o caso Fiat. Nem do Executivo, nem do Legislativo. Não precisa de emenda à Constituição. Não precisa de novas leis. Não precisa, neste caso, de mais recursos financeiros, melhores salários, prédios novos ou computadores. O TST precisou apenas aplicar a lei existente, em sua própria defesa. Joaquim Falcão, 59, mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA), é diretor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Marco Maciel: Reforma, realismo e simplicidade Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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