São Paulo, domingo, 29 de abril de 2007

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Reino animal

Trocando afagos e visitas, governo e oposição se descaracterizam, dando um espetáculo desconcertante

ENTRE UM rato doméstico e um "hamster" as diferenças biológicas talvez não sejam tão grandes -mas ainda assim produz certa estranheza o espetáculo de sua confraternização.
Os recentes afagos entre o senador Antonio Carlos Magalhães (DEM-BA) e o presidente Lula -que, não faz muito, comparavam-se mutuamente aos roedores mencionados acima- podem sem dúvida constituir, aos olhos de um observador benigno, uma demonstração de avanço civilizacional em nossos padrões de comportamento político.
Mas tudo vai ficando tão civilizado que até um santo começaria a desconfiar. Do cortês encontro de Fernando Collor com o presidente Lula à nebulosa visita do tucano Tasso Jereissati ao Palácio do Planalto, um vasto processo de readaptação política parece estar em curso.
Surpreendentes mutações ideológicas ocorrem no heterogêneo rebanho que compõe a base do governo. Severos apóstolos do impeachment ascendem ao empíreo da alta assessoria presidencial. Antigos detratores de Lula rendem-se ao "carisma do líder" e ao milagre da multiplicação dos cargos de governo.
Que o poder federal exerça esse tipo de atração, configurando uma ampla base de apoio partidário, é corriqueiro num país onde os compromissos firmados com o eleitor valem menos que a possibilidade de manipular verbas e cargos públicos. O voto ideológico parece sempre menos decisivo que o antigo voto de cabresto, e cada liderança política regional cuida de sua sobrevivência à sombra do poder.
É a própria oposição, porém, que parece neste momento passar por algum tipo de experiência transgênica, perdendo a agressividade que a caracterizou nos tempos do mensalão.
Neste caso, o cálculo das chances eleitorais tucanas em 2010 é sem dúvida o fator predominante; a lógica do comportamento não se esgota, contudo, no personalismo de algumas postulações presidenciais.
A oposição parece ter tirado conclusões amargas da sua derrota no pleito do ano passado. Age como se tivesse sido punida por suas qualidades -o ímpeto fiscalizatório sobre os desmandos do PT- e não por seus defeitos -a falta de uma alternativa convincente ao que Lula vinha fazendo.
Como o governo Lula é um organismo híbrido, capaz de admitir qualquer coisa e o seu contrário, da defesa dos bagres à construção de hidrelétricas, dos motins de controladores de vôo ao empenho na manutenção da hierarquia militar, resulta que situação e oposição também se confundem, num desconcertante mimetismo.
Não são, certamente, todos "hamsters" nem ratos. São camaleões. Não por acaso, uma pesquisa recente mostrou que a maioria dos brasileiros se interessa mais por ciência do que pela política. Em meio a conversões de almas, mudanças da água para o vinho e outros milagres rotineiros em Brasília, também aqui, contudo, as leis de Darwin sobre a adaptabilidade das espécies parecem conhecer uma deprimente comprovação.


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