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Reino animal
Trocando afagos e visitas, governo e oposição se descaracterizam,
dando um espetáculo desconcertante
ENTRE UM rato doméstico e
um "hamster" as diferenças biológicas talvez não
sejam tão grandes -mas
ainda assim produz certa estranheza o espetáculo de sua confraternização.
Os recentes afagos entre o senador Antonio Carlos Magalhães
(DEM-BA) e o presidente Lula
-que, não faz muito, comparavam-se mutuamente aos roedores mencionados acima- podem
sem dúvida constituir, aos olhos
de um observador benigno, uma
demonstração de avanço civilizacional em nossos padrões de
comportamento político.
Mas tudo vai ficando tão civilizado que até um santo começaria
a desconfiar. Do cortês encontro
de Fernando Collor com o presidente Lula à nebulosa visita do
tucano Tasso Jereissati ao Palácio do Planalto, um vasto processo de readaptação política parece
estar em curso.
Surpreendentes mutações
ideológicas ocorrem no heterogêneo rebanho que compõe a base do governo. Severos apóstolos
do impeachment ascendem ao
empíreo da alta assessoria presidencial. Antigos detratores de
Lula rendem-se ao "carisma do
líder" e ao milagre da multiplicação dos cargos de governo.
Que o poder federal exerça esse tipo de atração, configurando
uma ampla base de apoio partidário, é corriqueiro num país onde os compromissos firmados
com o eleitor valem menos que a
possibilidade de manipular verbas e cargos públicos. O voto
ideológico parece sempre menos
decisivo que o antigo voto de cabresto, e cada liderança política
regional cuida de sua sobrevivência à sombra do poder.
É a própria oposição, porém,
que parece neste momento passar por algum tipo de experiência transgênica, perdendo a
agressividade que a caracterizou
nos tempos do mensalão.
Neste caso, o cálculo das chances eleitorais tucanas em 2010 é
sem dúvida o fator predominante; a lógica do comportamento
não se esgota, contudo, no personalismo de algumas postulações
presidenciais.
A oposição parece ter tirado
conclusões amargas da sua derrota no pleito do ano passado.
Age como se tivesse sido punida
por suas qualidades -o ímpeto
fiscalizatório sobre os desmandos do PT- e não por seus defeitos -a falta de uma alternativa
convincente ao que Lula vinha
fazendo.
Como o governo Lula é um organismo híbrido, capaz de admitir qualquer coisa e o seu contrário, da defesa dos bagres à construção de hidrelétricas, dos motins de controladores de vôo ao
empenho na manutenção da hierarquia militar, resulta que situação e oposição também se
confundem, num desconcertante mimetismo.
Não são, certamente, todos
"hamsters" nem ratos. São camaleões. Não por acaso, uma
pesquisa recente mostrou que a
maioria dos brasileiros se interessa mais por ciência do que pela política. Em meio a conversões
de almas, mudanças da água para
o vinho e outros milagres rotineiros em Brasília, também aqui,
contudo, as leis de Darwin sobre
a adaptabilidade das espécies parecem conhecer uma deprimente comprovação.
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