São Paulo, domingo, 29 de abril de 2007

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O alto preço do etanol

A IMAGEM de modernidade e inovação que o Brasil projetou internacionalmente em razão do uso combustível do etanol é incompatível com as condições desumanas a que são submetidos de modo geral os cortadores de cana, que têm uma vida útil de trabalho comparável à dos escravos, como indica pesquisa da Unesp divulgada hoje pela Folha.
Segundo o estudo, a pressão pelo aumento da produtividade reduziu de 15 para 12 anos o período em que um cortador de cana é capaz de desenvolver sua atividade. Esse lapso de tempo é semelhante ao registrado entre os escravos que trabalhavam na agricultura no Brasil antes de 1850, quando o tráfico de pessoas da África foi proibido.
A professora Maria Aparecida de Moraes Silva, responsável pela pesquisa, estima que os cortadores de cana andem de oito a nove quilômetros por dia, colhendo até 15 toneladas do produto -o Ministério do Trabalho recomenda o limite diário de 10 toneladas. Em decorrência das más condições a que são submetidos, pelo menos 19 mortes de trabalhadores do setor foram registradas desde 2004.
A projeção brasileira no desenvolvimento de combustíveis alternativos não pode ser obtida com a "dilapidação" da vida dos cortadores de cana, para usar o termo adotado pela pesquisadora. Preocupadas com a repercussão das mortes, usinas produtoras de álcool começam a rever o método de contratação dos cortadores de cana, que normalmente são terceirizados.
Os empresários que recebem os crescentes lucros da atividade têm a responsabilidade de zelar pelas condições de trabalho de seus empregados -sejam eles contratados direta ou indiretamente. Do contrário, o Brasil continuará a ser o país dos lamentáveis contrastes, produzindo o combustível do século 21 com base em estatísticas sociais do século 19.


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