São Paulo, quarta-feira, 29 de abril de 2009

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Hora de aterrissar

Câmara só cumpre obrigação, tardiamente, ao estabelecer limites óbvios contra a farra nas passagens aéreas

A CÂMARA dos Deputados, enfim, decidiu restringir o uso de bilhetes aéreos na Casa. Os líderes partidários resolveram ontem, por unanimidade, que as passagens só poderão ser emitidas em nome do deputado ou de assessor credenciado -neste caso, mediante autorização da Mesa Diretora.
Foram extintas as cotas suplementares de passagens a que tinham direito membros da Mesa e líderes partidários. Estabeleceu-se, ainda, a necessidade de autorização, mediante justificativa, para a emissão de bilhetes internacionais, viagens que agora deverão estar relacionadas à atividade parlamentar. Acaba o acúmulo de créditos: o que não for utilizado em um ano retorna para a Câmara.
A simples enumeração dessas mudanças despertará espanto no cidadão que porventura não tenha acompanhado todos os escândalos recentes no Congresso. Afinal, é quase inacreditável que representantes eleitos não respeitassem padrões tão óbvios de conduta ao lançarem mão de verbas destinadas, estritamente, a viabilizar o exercício da função.
Acabar com a farra generalizada nas passagens aéreas -que bancou viagens, no Brasil e no exterior, de políticos em férias, parentes e amigos, alimentou um mercado paralelo de bilhetes e financiou até o deslocamento de um time inteiro de futebol- é apenas uma obrigação tardiamente cumprida pela Câmara.
É preciso mais para que os congressistas, que às vezes parecem em órbita numa dimensão paralela à da sociedade que representam, façam a aterrissagem. Nem se fale da anistia que a Mesa cogita aplicar a abusos aéreos do passado -do contrário, o Congresso correria o risco de ficar esvaziado também entre terça e quinta-feira. A Receita Federal, de todo modo, está convidada a vasculhar as contas de quem utilizava essas verbas, sobre as quais não incide imposto, como renda pessoal -que deve ser tributada.
Por falar em gastos ocultos, o salário (R$ 16.512) de um congressista é apenas parte do que ele consome em dinheiro público. Manter um senador, sem contar despesas coletivas da Casa, custa até R$ 120 mil por mês ao contribuinte; manter um deputado federal, até R$ 62 mil.
Providência básica seria franquear todo o fluxo desses recursos oblíquos, com as devidas justificativas, a escrutínio público imediato. Concessões nesse sentido têm ocorrido apenas mediante cobrança intensa da opinião pública. Ainda assim, redundam em ações e promessas parciais de prestação de contas, sujeitas a reviravoltas e burlas.
A informação sobre o uso das passagens, incluindo o trecho viajado pelo deputado federal ou seu assessor, só estará disponível na internet em 90 dias. A milhagem adquirida com as viagens constantes continuará sendo de uso pessoal do parlamentar -as brechas para, por exemplo, embarcar parentes à custa do erário não foram todas fechadas.
"Foi a lógica das coisas", disse o presidente da Câmara, Michel Temer, ao comentar suas idas e vindas na tentativa de restringir ao óbvio o uso das passagens: "Muitas vezes, você recua para avançar". E vice-versa.


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