|
Próximo Texto | Índice
Editoriais
editoriais@uol.com.br
Hora de aterrissar
Câmara só cumpre obrigação, tardiamente, ao estabelecer limites óbvios contra a farra
nas passagens aéreas
A CÂMARA dos Deputados, enfim, decidiu restringir o uso de bilhetes aéreos na Casa. Os
líderes partidários resolveram
ontem, por unanimidade, que as
passagens só poderão ser emitidas em nome do deputado ou de
assessor credenciado -neste caso, mediante autorização da Mesa Diretora.
Foram extintas as cotas suplementares de passagens a que tinham direito membros da Mesa
e líderes partidários. Estabeleceu-se, ainda, a necessidade de
autorização, mediante justificativa, para a emissão de bilhetes
internacionais, viagens que agora deverão estar relacionadas à
atividade parlamentar. Acaba o
acúmulo de créditos: o que não
for utilizado em um ano retorna
para a Câmara.
A simples enumeração dessas
mudanças despertará espanto
no cidadão que porventura não
tenha acompanhado todos os escândalos recentes no Congresso.
Afinal, é quase inacreditável que
representantes eleitos não respeitassem padrões tão óbvios de
conduta ao lançarem mão de
verbas destinadas, estritamente,
a viabilizar o exercício da função.
Acabar com a farra generalizada nas passagens aéreas -que
bancou viagens, no Brasil e no
exterior, de políticos em férias,
parentes e amigos, alimentou
um mercado paralelo de bilhetes
e financiou até o deslocamento
de um time inteiro de futebol- é
apenas uma obrigação tardiamente cumprida pela Câmara.
É preciso mais para que os congressistas, que às vezes parecem
em órbita numa dimensão paralela à da sociedade que representam, façam a aterrissagem. Nem
se fale da anistia que a Mesa cogita aplicar a abusos aéreos do passado -do contrário, o Congresso
correria o risco de ficar esvaziado também entre terça e quinta-feira. A Receita Federal, de todo
modo, está convidada a vasculhar as contas de quem utilizava
essas verbas, sobre as quais não
incide imposto, como renda pessoal -que deve ser tributada.
Por falar em gastos ocultos, o
salário (R$ 16.512) de um congressista é apenas parte do que
ele consome em dinheiro público. Manter um senador, sem
contar despesas coletivas da Casa, custa até R$ 120 mil por mês
ao contribuinte; manter um deputado federal, até R$ 62 mil.
Providência básica seria franquear todo o fluxo desses recursos oblíquos, com as devidas justificativas, a escrutínio público
imediato. Concessões nesse sentido têm ocorrido apenas mediante cobrança intensa da opinião pública. Ainda assim, redundam em ações e promessas
parciais de prestação de contas,
sujeitas a reviravoltas e burlas.
A informação sobre o uso das
passagens, incluindo o trecho
viajado pelo deputado federal ou
seu assessor, só estará disponível
na internet em 90 dias. A milhagem adquirida com as viagens
constantes continuará sendo de
uso pessoal do parlamentar -as
brechas para, por exemplo, embarcar parentes à custa do erário
não foram todas fechadas.
"Foi a lógica das coisas", disse o
presidente da Câmara, Michel
Temer, ao comentar suas idas e
vindas na tentativa de restringir
ao óbvio o uso das passagens:
"Muitas vezes, você recua para
avançar". E vice-versa.
Próximo Texto: Editoriais: Rodoanel e mananciais
Índice
|