São Paulo, terça-feira, 29 de maio de 2007

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CARLOS HEITOR CONY

Tempos de Mustafás

RIO DE JANEIRO - Mal refeito das venturas e desventuras dos recentes escândalos da vida nacional -mensalão, bingos, correios, sanguessugas e agora as navalhadas de uma operação que ameaça cortar mais carne-, fiquei como sempre sem entender nada, misturando nomes, siglas, cifras e façanhas. Um samba do crioulo doido que nem me distrai.
Tive experiência anterior, quando, numa das Copas do Mundo, fui obrigado a ouvir pelo rádio um jogo de duas seleções de países árabes, transmitido por um exaltado locutor marroquino ou egípcio -não tenho certeza. Durante 90 minutos, com o descanso regulamentar do primeiro para o segundo tempo, fiquei sem nada entender do que ouvia, percebendo apenas uma palavra que me parecia íntima: "mustafá". A impressão era a de que havia 22 Mustafás em campo, distribuídos nos dois times e autores dos cinco gols da partida, sendo que um dos Mustafás foi expulso pelo juiz, que me parecia ser um Mustafá suplementar.
É mais ou menos assim que me sinto diante do noticiário sobre os escândalos nacionais. Mal me habituo com um Mustafá que pagava deputados para votar a favor do governo e surge outro Mustafá que explorava casas de bingo, substitutos de outros Mustafás que compravam ou vendiam ambulâncias. É bem verdade que os nomes e as caras mudam, um deles é careca, outro é cabeludo, todos têm secretárias suspeitas que devem ser Mustafás honorárias.
O estoque é vasto. Cada Mustafá prepara o terreno para outros Mustafás entrarem na jogada. Quando cansam a paciência pública, são substituídos por novos Mustafás que adentram o gramado com a fúria de que vão decidir a partida, que nunca é decidida por causa dos Mustafás que estão no banco dos reservas, esperando sua hora.


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