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CARLOS HEITOR CONY
Tempos de Mustafás
RIO DE JANEIRO - Mal refeito
das venturas e desventuras dos recentes escândalos da vida nacional
-mensalão, bingos, correios, sanguessugas e agora as navalhadas de
uma operação que ameaça cortar
mais carne-, fiquei como sempre
sem entender nada, misturando
nomes, siglas, cifras e façanhas. Um
samba do crioulo doido que nem
me distrai.
Tive experiência anterior, quando, numa das Copas do Mundo, fui
obrigado a ouvir pelo rádio um jogo
de duas seleções de países árabes,
transmitido por um exaltado locutor marroquino ou egípcio -não tenho certeza. Durante 90 minutos,
com o descanso regulamentar do
primeiro para o segundo tempo, fiquei sem nada entender do que ouvia, percebendo apenas uma palavra que me parecia íntima: "mustafá". A impressão era a de que havia
22 Mustafás em campo, distribuídos nos dois times e autores dos
cinco gols da partida, sendo que um
dos Mustafás foi expulso pelo juiz,
que me parecia ser um Mustafá suplementar.
É mais ou menos assim que me
sinto diante do noticiário sobre os
escândalos nacionais. Mal me habituo com um Mustafá que pagava
deputados para votar a favor do governo e surge outro Mustafá que explorava casas de bingo, substitutos
de outros Mustafás que compravam ou vendiam ambulâncias. É
bem verdade que os nomes e as caras mudam, um deles é careca, outro é cabeludo, todos têm secretárias suspeitas que devem ser Mustafás honorárias.
O estoque é vasto. Cada Mustafá
prepara o terreno para outros Mustafás entrarem na jogada. Quando
cansam a paciência pública, são
substituídos por novos Mustafás
que adentram o gramado com a fúria de que vão decidir a partida, que
nunca é decidida por causa dos
Mustafás que estão no banco dos
reservas, esperando sua hora.
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