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TENDÊNCIAS/DEBATES
Não caia antes de ser empurrado
ANTONIO ATHAYDE
Nessa nova realidade, a missão dos jornais não é mais trazer novidades aos leitores, mas ajudá-los a compreender o mundo
AINDA OUTRO dia recebi correspondência eletrônica com
uma dezena de provérbios
oriundos de várias culturas mundo
afora. Com pequenas variações, nós
aqui temos correspondentes para
quase todos.
Um deles, inglês, que está no título
deste artigo, me fez pensar na situação pela qual passam hoje os jornais
norte-americanos, que amargam resultados ruins, com perda de leitores
e anúncios e, conseqüentemente, de
valor de mercado.
No Brasil, festejamos seguidos anos
de crescimento de circulação, de faturamento e, o mais surpreendente, aumento da participação do nosso meio
no chamado "bolo publicitário", a
verba destinada pelos anunciantes
aos diversos meios de comunicação.
Surpreendente, sim, pois o crescimento da base de assinantes da TV
paga e dos usuários da internet no
Brasil fez com que analistas previssem que aconteceria aqui o mesmo
fenômeno que preocupa acionistas e
executivos da mídia impressa norte-americana.
Uma rápida análise do que está
acontecendo por aqui mostra o impressionante crescimento dos chamados "jornais populares", com preço baixo e conteúdo dirigido à classe
C, já chamada a "classe dominante"
no país.
"Extra" (Rio), "Diário Gaúcho" (Rio
Grande do Sul), "Super Notícia" (Minas Gerais), "Agora" e "Jornal da Tarde" (São Paulo) batem seguidos recordes de circulação. Iniciativas em
Vitória (ES) e Campinas (SP) surpreendem os criadores de jornais populares por atingirem resultados
muito superiores aos esperados nos
seus planos de negócio.
Preço baixo, estratégia de distribuição, promoções e, sobretudo, matérias produzidas e apresentadas de
acordo com o gosto do novo leitor fazem a receita desse enorme sucesso.
Fica claro que estamos assistindo
ao processo de formação de novos leitores que, em breve, procurarão análises mais refinadas, textos mais profundos e anúncios de produtos de
maior valor agregado e migrarão para
os jornais que ofereçam esse serviço.
Os grandes jornais inovam com novos cadernos, reformas gráficas e revistas, além de terem feito reestruturações nas suas organizações de modo a ganhar agilidade na percepção
das novas tendências do mercado leitor e do mercado publicitário.
Ao mesmo tempo em que anunciam a revolução que a internet traz
ao seu próprio negócio, os jornais têm
seus cadernos de informática, que
propagam as conquistas desse seu
ferrenho concorrente. E assim também aconteceu quando da chegada da
TV digital, quando foram servidos ao
público cadernos especiais apresentando essa nova maneira de competição pelo tempo do consumidor.
E assim se preparam para essa nova
realidade, em que sua missão não é
mais trazer novidades aos leitores,
mas sim ajudá-los a compreender o
mundo, mais complexo sob qualquer
ponto de vista, inclusive apontando a
melhor maneira de escolher e comprar um produto ou um serviço.
Tabelas de preço de publicidade se
tornaram mais simples, e equipes de
vendas, mais preparadas para mostrar a anunciantes e agências de propaganda as vantagens de anunciar em
jornal, não só como mídia eficiente,
mas como veículo capaz de emprestar
sua extraordinária capacidade de relacionamento com o seu leitor ao
anúncio nele veiculado.
Nada como o prazer de ler "o meu
jornal"!
É impressionante como mesmo os
pequenos diários do interior do país
estão na web fazendo valer a força de
suas marcas, se dedicando ao chamado "hiperlocalismo", a promover
eventos, enfim, a reagir aos movimentos de leitores dos mais diversos
perfis e a oferecer a anunciantes novas formas de se relacionar com eles.
Os jornais brasileiros têm vantagens importantes sobre os americanos que os fazem viver realidades inteiramente diferentes neste instante.
Podem acompanhar o que ocorre por
lá e se preparar para enfrentar as dificuldades e evitar o "eu sou você amanhã". Além disso, não estão submetidos à pressão de resultados que o
mercado impõe às sociedades de capital aberto.
Os empresários daqui fizeram o
possível para enfrentar as dificuldades do final do século e do início desta
década sem baixar a qualidade do seu
produto. Amargaram reduções importantes nas suas margens e colhem
agora os frutos dessa decisão.
Minha impressão é que os jornais
americanos se preocuparam demais
com a chegada dos concorrentes eletrônicos, não fizeram seu dever de casa para entender a nova situação e se
entregaram a um derrotismo antecipado. Caíram antes de serem empurrados.
ANTONIO ATHAYDE, 62, engenheiro, é diretor-executivo
da ANJ (Associação Nacional de Jornais). Foi executivo
sênior da Rede Globo, Gobosat/NET Brasil, Globopar, Rede Bandeirantes e SBT. Trabalhou como consultor da Telefónica para projetos de TV na América Latina e para o
Grupo Abril.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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