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São Paulo, quinta-feira, 29 de maio de 2008

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João Carlos, brasileiro com "B" maiúsculo

MARCOS FROTA

Corri em direção ao palco, porque eu me senti o Brasil naquele segundo. Percebi que o maestro João Carlos Martins também chorava

ASSISTI PELA primeira vez à Bachiana Chamber Orchestra com João Carlos Martins há cerca de dois anos, em Belo Horizonte. Quando olhei para as pessoas ao meu lado, vi que elas choravam de emoção e me senti confortado, pois, pelo meu passado como ator, pelo meu trabalho de inclusão por meio do circo e pela forma como respiro arte 24 horas por dia, pensei que só eu estivesse chorando. Desde então, assisti a várias apresentações de João Carlos e sua orquestra, sempre com a mesma emoção.
Ao saber do seu interesse pela inclusão social, não hesitei em convidá-lo, com a sua Bachiana Jovem e também a filarmônica, para o espetáculo de abertura do Parapan, "Somos Todos Brasileiros", no Maracanãzinho. Devido a percalços na concepção cenográfica, só pudemos liberar o palco para os ensaios 36 horas antes de o espetáculo começar, do qual inúmeros artistas participariam como solistas com suas performances sob a batuta do maestro.
Naquele dia, entendi melhor do que ninguém o seu amor à música, pois, das 10h da véspera até as 2h do dia da apresentação, os artistas e músicos se revezavam em suas apresentações, mas João Carlos manteve-se no "pódio" por 16 horas ininterruptas. No final dos ensaios, ele me falou:
"Que bom só ter 67 anos de idade, se eu fosse velho, não conseguiria fazer isso". Esse espetáculo -que é uma síntese do trabalho incansável que tenho realizado com a Universidade Livre do Circo pelo Brasil, em que centenas de jovens resgataram a esperança e, antes de tudo, o amor à vida, muitos deles já com carreira internacional, inclusive no Cirque du Soleil- teve um final comovente.
Após a execução do último movimento da "Nona Sinfonia" de Beethoven, eu pedi para que as luzes do Maracanãzinho fossem apagadas e providenciei 12 mil lanternas que deram luz à "Ave Maria" que João Carlos executou ao piano. Nunca vou me esquecer daquele momento.
Ao saber que a Bachiana, com o João Carlos, estariam no Carnegie Hall no dia 23 de maio, resolvi visitar Nova York por 48 horas e fui uma das 2.800 pessoas presentes na principal sala de concertos do mundo.
Não dá para descrever a emoção que um brasileiro sente ao ver entrar uma orquestra nossa naquele palco com um brasileiro na direção.
Primeiro, pude ver uma suíte do compositor que acompanhou o maestro por toda sua vida -Johann Sebastian Bach. Ao final dessa suíte, eu sentia a reação fantástica do público; como ator, eu percebia a intimidade de João Carlos com aquele teatro.
Logo em seguida, ouvi a estréia mundial da "Suíte Brasileira", que tem um de seus movimentos em homenagem à preservação da Amazônia, composta pelo jovem compositor Mateus Araújo, que, segundo escreveu Eleazar de Carvalho, foi o maior talento que encontrou em sua vida.
Tinha jurado para mim mesmo que, daquela vez, não choraria, mas, ao ver o teatro inteiro aplaudindo a orquestra, o maestro e, antes de tudo, o jovem Mateus, que, de seu camarote, agradecia os ininterruptos aplausos que os americanos denominam "standing ovation", não me contive.
Na segunda parte, lá estava João Carlos sentado ao piano executando Mozart com três dedos -cada nota parecia uma pérola-, sob a regência de seu spalla Laércio Diniz. À medida que o concerto caminhava, percebi que os americanos são prevenidos, pois era enorme a quantidade de lenços, principalmente com as mulheres, usados para conter as lágrimas.
Depois de "Luíza", de Tom Jobim, e "Adiós Nonino", de Piazzolla, percebi que não estava mais no ambiente formal de uma sala de concerto, e aí veio a grande surpresa: João Carlos havia prometido na televisão que, se o concerto fosse bem, ele executaria a versão de Mateus Araújo do hino nacional, que abrange todos os ritmos brasileiros, de forma que, depois de 120 anos, o nosso hino fosse tocado no Carnegie Hall.
Naquela hora, desabei e realmente não me contive. Ao final, corri em direção ao palco, porque eu me senti o Brasil naquele segundo. Percebi que o maestro também chorava. Foi quando ele, ovacionado, se ajoelhou, beijou minha testa e me disse: "Em seu nome, estou beijando todos os brasileiros". Então olhei para as galerias e vi que algumas bandeiras do Brasil eram acenadas.
Hoje, resolvi escrever este artigo, pois, ao ler a crítica do "New York Times", vi que o crítico do jornal concordou comigo.


MARCOS FROTA, 52, ator, é presidente da UniCirco (Universidade Livre do Circo).

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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