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João Carlos, brasileiro com "B" maiúsculo
MARCOS FROTA
Corri em direção ao palco, porque eu me senti o Brasil naquele segundo. Percebi que o maestro João Carlos Martins também chorava
ASSISTI PELA primeira vez à Bachiana Chamber Orchestra
com João Carlos Martins há
cerca de dois anos, em Belo Horizonte. Quando olhei para as pessoas ao
meu lado, vi que elas choravam de
emoção e me senti confortado, pois,
pelo meu passado como ator, pelo
meu trabalho de inclusão por meio do
circo e pela forma como respiro arte
24 horas por dia, pensei que só eu estivesse chorando. Desde então, assisti
a várias apresentações de João Carlos
e sua orquestra, sempre com a mesma
emoção.
Ao saber do seu interesse pela inclusão social, não hesitei em convidá-lo, com a sua Bachiana Jovem e também a filarmônica, para o espetáculo
de abertura do Parapan, "Somos Todos Brasileiros", no Maracanãzinho.
Devido a percalços na concepção
cenográfica, só pudemos liberar o palco para os ensaios 36 horas antes de o
espetáculo começar, do qual inúmeros artistas participariam como solistas com suas performances sob a batuta do maestro.
Naquele dia, entendi melhor do que
ninguém o seu amor à música, pois,
das 10h da véspera até as 2h do dia da
apresentação, os artistas e músicos se
revezavam em suas apresentações,
mas João Carlos manteve-se no "pódio" por 16 horas ininterruptas. No final dos ensaios, ele me falou:
"Que
bom só ter 67 anos de idade, se eu fosse velho, não conseguiria fazer isso".
Esse espetáculo -que é uma síntese do trabalho incansável que tenho
realizado com a Universidade Livre
do Circo pelo Brasil, em que centenas
de jovens resgataram a esperança e,
antes de tudo, o amor à vida, muitos
deles já com carreira internacional,
inclusive no Cirque du Soleil- teve
um final comovente.
Após a execução do último movimento da "Nona Sinfonia" de Beethoven, eu pedi para que as luzes do Maracanãzinho fossem apagadas e providenciei 12 mil lanternas que deram
luz à "Ave Maria" que João Carlos
executou ao piano. Nunca vou me esquecer daquele momento.
Ao saber que a Bachiana, com o
João Carlos, estariam no Carnegie
Hall no dia 23 de maio, resolvi visitar
Nova York por 48 horas e fui uma das
2.800 pessoas presentes na principal
sala de concertos do mundo.
Não dá para descrever a emoção
que um brasileiro sente ao ver entrar
uma orquestra nossa naquele palco
com um brasileiro na direção.
Primeiro, pude ver uma suíte do
compositor que acompanhou o maestro por toda sua vida -Johann Sebastian Bach. Ao final dessa suíte, eu sentia a reação fantástica do público; como ator, eu percebia a intimidade de
João Carlos com aquele teatro.
Logo em seguida, ouvi a estréia
mundial da "Suíte Brasileira", que
tem um de seus movimentos em homenagem à preservação da Amazônia, composta pelo jovem compositor
Mateus Araújo, que, segundo escreveu Eleazar de Carvalho, foi o maior
talento que encontrou em sua vida.
Tinha jurado para mim mesmo que,
daquela vez, não choraria, mas, ao ver
o teatro inteiro aplaudindo a orquestra, o maestro e, antes de tudo, o jovem Mateus, que, de seu camarote,
agradecia os ininterruptos aplausos
que os americanos denominam
"standing ovation", não me contive.
Na segunda parte, lá estava João
Carlos sentado ao piano executando
Mozart com três dedos -cada nota
parecia uma pérola-, sob a regência
de seu spalla Laércio Diniz. À medida
que o concerto caminhava, percebi
que os americanos são prevenidos,
pois era enorme a quantidade de lenços, principalmente com as mulheres,
usados para conter as lágrimas.
Depois de "Luíza", de Tom Jobim, e
"Adiós Nonino", de Piazzolla, percebi
que não estava mais no ambiente formal de uma sala de concerto, e aí veio
a grande surpresa: João Carlos havia
prometido na televisão que, se o concerto fosse bem, ele executaria a versão de Mateus Araújo do hino nacional, que abrange todos os ritmos brasileiros, de forma que, depois de 120
anos, o nosso hino fosse tocado no
Carnegie Hall.
Naquela hora, desabei e realmente
não me contive. Ao final, corri em direção ao palco, porque eu me senti o
Brasil naquele segundo. Percebi que o
maestro também chorava. Foi quando ele, ovacionado, se ajoelhou, beijou
minha testa e me disse: "Em seu nome, estou beijando todos os brasileiros". Então olhei para as galerias e vi
que algumas bandeiras do Brasil eram
acenadas.
Hoje, resolvi escrever este artigo,
pois, ao ler a crítica do "New York Times", vi que o crítico do jornal concordou comigo.
MARCOS FROTA, 52, ator, é presidente da UniCirco (Universidade Livre do Circo).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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