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TENDÊNCIAS/DEBATES
De Thomas Paine a Tony Blair
EDUARDO MATARAZZO SUPLICY
Capital básico sempre pode ser transformado num fluxo de renda básica e vice-versa. Propostas assim vêm sendo sugeridas em vários países
O EX-PRIMEIRO-MINISTRO do
Reino Unido, Tony Blair, se
despediu de seus dez anos de
mandato nesta última quarta-feira.
Foi aplaudido de pé por parlamentares do Partido Trabalhista, do Partido
Conservador, entre outros. Muitos
dos que o criticaram reconhecem que
ele deu uma contribuição muito positiva para seu país, seja na direção de
maior eqüidade, seja na área de relações internacionais.
Blair tem 54 anos. É moço e tem
condições de desempenhar um papel
importante em missões como aquela
a que agora vai se dedicar, para promover a paz no Oriente Médio.
Avalio que o maior problema de seu
governo, que lhe causou o maior número de críticas, foi justamente o
apoio à guerra liderada pelos Estados
Unidos em 2003 para derrubar o presidente Saddam Hussein do Iraque.
Por quase todas as grandes cidades,
especialmente em Londres, multidões saíram às ruas, apelando para
que se utilizassem outros meios para
promover as transformações no Iraque visando sua democratização.
Nós, brasileiros, que soubemos
transformar um regime ditatorial em
democrático por meio de manifestações populares pacíficas, tínhamos
tudo para acreditar que, diante da
energia popular no mundo, as mudanças no Iraque poderiam se dar por
meios não violentos.
Teria sido melhor seguir a máxima
pregada por Martin Luther King Jr.
em "I Have a Dream" ("Eu Tenho um
sonho"): "Todas as vezes, e a cada vez,
nós precisamos alcançar as alturas
majestosas de confrontar a força física com a força da alma".
Os laços que unem os EUA e o Reino Unido, entretanto, fizeram com
que Tony Blair se esquecesse de John
Lennon em "Imagine" e apoiasse o
presidente George Walker Bush no
emprego de armas mortíferas e destruidoras, com a desculpa da existência de armas de destruição em massa
que jamais foram encontradas. As
conseqüências da violência iniciada
em 2003 perduram até hoje, sem que
se encontre um caminho de bom senso que possa assegurar a paz.
No entanto, Tony Blair conseguiu
promover um entendimento notável
entre católicos e protestantes que se
encontravam em guerra civil por décadas na Irlanda do Norte. Só esse feito já o credencia para empreender esforços de paz agora no Oriente Médio.
Em seu país, Tony Blair introduziu
mudanças inovadoras cujos efeitos só
serão sentidos a partir de 2020. Em
artigo publicado em "The Economist" de 2/6, Blair diz que "sistemas
de bem-estar funcionam somente se
houver responsabilidade compartilhada -o Estado provendo ajuda e os
cidadãos usando essa ajuda para ajudar a si próprios. As reformas das
pensões no Reino Unido, através das
décadas, nos darão um sistema que se
tornará viável e justo entre as gerações, ao assegurar que, embora todo
cidadão tenha uma pensão básica, ele
possa aumentá-la com as suas próprias finanças".
Tony Blair propôs um plano denominado Child Fund Trust, ou Fundo
Patrimonial da Criança, aprovado pelo Parlamento britânico em 2003,
que prevê que toda criança do Reino
Unido, ao nascer e ao completar seis,
11 e 16 anos, passa a ter depositadas
em sua conta bancária 250, 50, 50 e
50 libras esterlinas, respectivamente.
Se a criança for de família do extrato
mais pobre, com renda familiar anual
inferior a 14.495 libras esterlinas -ou
cerca de 60 mil reais-, essas quantias
serão respectivamente de 500, 100,
100 e 100 libras esterlinas. Como esses recursos rendem juros, isso significa que, quando a pessoa atingir a
idade de 18 anos, poderá dispor de
uma quantia de cerca de 4.000 a
5.000 libras esterlinas.
Os professores de direito da Universidade de Yale Bruce Ackerman e
Ann Alstott, em "The Stakeholder Society" (1999), propuseram que todos
os americanos, ao completarem 21
anos, recebessem um capital básico
de 80.000 dólares. Desenvolveram a
idéia baseados em Thomas Paine.
Seus estudantes de pós-graduação
Julian Le Grand e David Nissanon,
amigos de Tony Blair, levaram a idéia
para a Inglaterra. Tony Blair e Gordon Brown a transformaram no Child
Fund Trust.
Um capital básico sempre pode ser
transformado num fluxo de renda básica e vice-versa. Variantes em torno
de ambas as propostas vêm sendo
apresentadas nos mais diversos países. Na França, a candidata socialista
Ségolène Royal colocou algo assim
em sua plataforma. Na Alemanha, o
professor Götz W. Werner, da Universidade de Karlsruhe, lançou o livro
"Einkommen für Alle", ("Uma Renda
para Todos"), que se tornou o segundo maior best-seller naquele país,
com proposta semelhante.
No Brasil, já demos um grande passo nessa direção ao aprovar a lei que
institui a renda básica de cidadania.
Só falta implementá-la.
EDUARDO MATARAZZO SUPLICY, 66, doutor em economia pela Universidade Estadual de Michigan (EUA), professor da FGV, é senador da República pelo PT-SP. É autor
do livro "Renda de Cidadania - A Saída é pela Porta", entre
outras obras.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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