São Paulo, sexta-feira, 29 de junho de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

De Thomas Paine a Tony Blair

EDUARDO MATARAZZO SUPLICY

Capital básico sempre pode ser transformado num fluxo de renda básica e vice-versa. Propostas assim vêm sendo sugeridas em vários países

O EX-PRIMEIRO-MINISTRO do Reino Unido, Tony Blair, se despediu de seus dez anos de mandato nesta última quarta-feira.
Foi aplaudido de pé por parlamentares do Partido Trabalhista, do Partido Conservador, entre outros. Muitos dos que o criticaram reconhecem que ele deu uma contribuição muito positiva para seu país, seja na direção de maior eqüidade, seja na área de relações internacionais.
Blair tem 54 anos. É moço e tem condições de desempenhar um papel importante em missões como aquela a que agora vai se dedicar, para promover a paz no Oriente Médio.
Avalio que o maior problema de seu governo, que lhe causou o maior número de críticas, foi justamente o apoio à guerra liderada pelos Estados Unidos em 2003 para derrubar o presidente Saddam Hussein do Iraque. Por quase todas as grandes cidades, especialmente em Londres, multidões saíram às ruas, apelando para que se utilizassem outros meios para promover as transformações no Iraque visando sua democratização.
Nós, brasileiros, que soubemos transformar um regime ditatorial em democrático por meio de manifestações populares pacíficas, tínhamos tudo para acreditar que, diante da energia popular no mundo, as mudanças no Iraque poderiam se dar por meios não violentos.
Teria sido melhor seguir a máxima pregada por Martin Luther King Jr. em "I Have a Dream" ("Eu Tenho um sonho"): "Todas as vezes, e a cada vez, nós precisamos alcançar as alturas majestosas de confrontar a força física com a força da alma".
Os laços que unem os EUA e o Reino Unido, entretanto, fizeram com que Tony Blair se esquecesse de John Lennon em "Imagine" e apoiasse o presidente George Walker Bush no emprego de armas mortíferas e destruidoras, com a desculpa da existência de armas de destruição em massa que jamais foram encontradas. As conseqüências da violência iniciada em 2003 perduram até hoje, sem que se encontre um caminho de bom senso que possa assegurar a paz.
No entanto, Tony Blair conseguiu promover um entendimento notável entre católicos e protestantes que se encontravam em guerra civil por décadas na Irlanda do Norte. Só esse feito já o credencia para empreender esforços de paz agora no Oriente Médio.
Em seu país, Tony Blair introduziu mudanças inovadoras cujos efeitos só serão sentidos a partir de 2020. Em artigo publicado em "The Economist" de 2/6, Blair diz que "sistemas de bem-estar funcionam somente se houver responsabilidade compartilhada -o Estado provendo ajuda e os cidadãos usando essa ajuda para ajudar a si próprios. As reformas das pensões no Reino Unido, através das décadas, nos darão um sistema que se tornará viável e justo entre as gerações, ao assegurar que, embora todo cidadão tenha uma pensão básica, ele possa aumentá-la com as suas próprias finanças".
Tony Blair propôs um plano denominado Child Fund Trust, ou Fundo Patrimonial da Criança, aprovado pelo Parlamento britânico em 2003, que prevê que toda criança do Reino Unido, ao nascer e ao completar seis, 11 e 16 anos, passa a ter depositadas em sua conta bancária 250, 50, 50 e 50 libras esterlinas, respectivamente.
Se a criança for de família do extrato mais pobre, com renda familiar anual inferior a 14.495 libras esterlinas -ou cerca de 60 mil reais-, essas quantias serão respectivamente de 500, 100, 100 e 100 libras esterlinas. Como esses recursos rendem juros, isso significa que, quando a pessoa atingir a idade de 18 anos, poderá dispor de uma quantia de cerca de 4.000 a 5.000 libras esterlinas.
Os professores de direito da Universidade de Yale Bruce Ackerman e Ann Alstott, em "The Stakeholder Society" (1999), propuseram que todos os americanos, ao completarem 21 anos, recebessem um capital básico de 80.000 dólares. Desenvolveram a idéia baseados em Thomas Paine.
Seus estudantes de pós-graduação Julian Le Grand e David Nissanon, amigos de Tony Blair, levaram a idéia para a Inglaterra. Tony Blair e Gordon Brown a transformaram no Child Fund Trust.
Um capital básico sempre pode ser transformado num fluxo de renda básica e vice-versa. Variantes em torno de ambas as propostas vêm sendo apresentadas nos mais diversos países. Na França, a candidata socialista Ségolène Royal colocou algo assim em sua plataforma. Na Alemanha, o professor Götz W. Werner, da Universidade de Karlsruhe, lançou o livro "Einkommen für Alle", ("Uma Renda para Todos"), que se tornou o segundo maior best-seller naquele país, com proposta semelhante.
No Brasil, já demos um grande passo nessa direção ao aprovar a lei que institui a renda básica de cidadania. Só falta implementá-la.


EDUARDO MATARAZZO SUPLICY, 66, doutor em economia pela Universidade Estadual de Michigan (EUA), professor da FGV, é senador da República pelo PT-SP. É autor do livro "Renda de Cidadania - A Saída é pela Porta", entre outras obras.

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