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TENDÊNCIAS/DEBATES
Deve-se proibir a candidatura de parlamentares acusados de corrupção?
SIM
Chega de desvios de conduta
MARCUS FAVER
PARECE PACIFICADO entre os
constitucionalistas brasileiros
que o chamado neoconstitucionalismo, advindo da Europa, ganhou
força entre nós a partir da Constituição Cidadã. Hoje, não há dúvidas de
que a Carta Magna figura, no dizer de
Luis Roberto Barroso, "no centro do
sistema jurídico", funcionando "como vetor de interpretação de todas as
normas do sistema".
A Constituição tem, na verdade,
não só uma superioridade formal na
hierarquia das leis mas também uma
supremacia material e axiológica. Os
princípios ali expressos são normas
que consagram determinados valores
ou indicam quais os fins públicos que
devem ser perseguidos. Ao tratar dos
direitos políticos, a Constituição estabelece expressamente, em seu artigo
14, hipóteses de inelegibilidade, ou
seja, descreve situações que, uma vez
caracterizadas, retiram do cidadão o
direito de ser votado.
O parágrafo 9º, com redação dada
pela emenda constitucional de revisão, determina: "Lei complementar
estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a
fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício
do mandato, considerada a vida pregressa do candidato (...)".
Vê-se que o constituinte revisional
introduziu, de forma imperativa no
referido parágrafo, princípios éticos
que entendeu indispensáveis e fundamentais para a elegibilidade de qualquer pessoa: probidade administrativa e moralidade de conduta e vida
pregressa.
Não se menciona no novo texto
constitucional a ocorrência de infração penal ou qualquer referência ao
princípio da presunção de inocência,
porque são questões apartadas daquilo que se procurava regulamentar.
As expressões em caráter imperativo, de nítido conteúdo ético, introduzidas pelo constituinte revisional não
são meras exortações, mas, isto sim, o
estabelecimento de princípios normativos compulsórios.
O legislador ordinário, porém, não
obedeceu ao comando constitucional,
por motivos óbvios, talvez inconfessáveis, e não editou nova lei complementar. Para que os princípios constitucionais estabelecidos fossem aplicados, seria necessária a edição de
norma infraconstitucional? Creio
que não, pois os princípios de eticidade e de moralidade integram toda a
estrutura jurídica do país.
Assim, ao recusar o registro de um
candidato que não preenche as exigências constitucionais, não estará o
órgão judicial criando hipótese nova
de inelegibilidade, mas só aplicando
princípios inerentes à Constituição.
Para os parlamentares cujas condutas no exercício dos respectivos
mandatos foram reprovadas pelo
Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, a inelegibilidade se apresenta evidente, pois o órgão, após instrução probatória exercitada com todas
as garantias constitucionais (ampla
defesa, contraditório etc.), reconheceu procedimento incompatível com
o decoro parlamentar.
Na hipótese, pouco importa o julgamento político realizado no plenário
da Câmara, com voto secreto, pois as
deprimentes absolvições não invalidaram o consistente conjunto de provas que podem servir de base tanto
para a instauração de ação penal
quanto para instruir o processo do registro ou ainda a ação de impugnação
do mandato. Não tendo ocorrido
qualquer nulidade na colheita das
provas, elas permanecem válidas.
Ou seja, as provas consideradas suficientes pelo Conselho de Ética para
sugerir a cassação de deputados acusados de corrupção podem ser aproveitadas, ainda que sem o trânsito em
julgado judicial, para impedir a candidatura do parlamentar. Mesmo que o
deputado tenha sido absolvido pelo
plenário da Câmara.
Se assim não for, será mais uma dolorosa decepção para a sociedade brasileira, que deposita em nós, do Judiciário, as suas últimas e acalentadas
esperanças de restauração dos padrões éticos do poder público.
Cabe ao Judiciário relevante missão política essencial à própria existência do Estado democrático de Direito: afirmar a todo momento a dignidade e a supremacia dos princípios
éticos em nossa terra. Mesmo porque,
como disse o ministro Marco Aurélio
em seu discurso de posse no TSE, "a
República não suporta mais tanto
desvio de conduta".
MARCUS FAVER, 66, mestre em direito pela PUC-RJ, é
desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e
conselheiro do Conselho Nacional de Justiça. Foi presidente do TJ-RJ e do Tribunal Regional Eleitoral do Rio.
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