São Paulo, quinta-feira, 29 de julho de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A Copa do Mundo de Bach e a de futebol

JOÃO CARLOS MARTINS


A missão de um músico deve ultrapassar salas de concertos e atingir as periferias das nossas cidades, que pouco convivem com esse maravilhoso universo


Passei parte deste mês de julho como jurado do 17º Concurso Internacional J. S. Bach, organizado pelo Bach Archive, que se realiza a cada quatro anos em Leipzig, na Alemanha. Essa instituição fantástica, criada logo após o término da Segunda Guerra, além de manter um museu que preserva a memória do Mestre Kantor, promove dezenas de eventos da mais alta qualidade todos os anos.
Evidentemente, me sinto honrado de pela segunda vez estar no júri, pois nestes últimos 50 anos sempre me dediquei como pianista, e agora como maestro, para ter um brasileiro na história dos intérpretes de Bach. Cerca de 350 candidatos de até 32 anos, entre piano, cravo e violino, se inscreveram. Destes, 150 foram selecionados por vídeos para as provas ao vivo.
O início da competição coincidiu com a última semana da Copa do Mundo. Nela, quatro seleções sul-americanas estavam nas quartas de final. No concurso, nenhum sul-americano dentre os selecionados.
Quando você é informado da importância da música em vários países asiáticos, ocupando já o primeiro lugar na inclusão social, acima do esporte, e diminuindo a criminalidade em regiões carentes, a missão de um músico deve ultrapassar as salas de concertos, sem abandoná-las, e atingir as periferias das cidades, que raríssimas vezes têm oportunidade de conviver com esse maravilhoso universo.
Ao final da competição, conversei com vários candidatos, 40% deles asiáticos, muitos de famílias pobres que integram a evolução cultural dessa região. Na China, milhões de jovens estudam piano; como exemplo, cito um concurso realizado em Hong Kong, do qual participaram mais de mil candidatos, desde os 4 até os 21 anos.
No avião de volta, comecei a refletir e a pensar novamente na Copa do Mundo, em que nossos jogadores, tratados como semideuses, estavam mais preocupados com seus contratos internacionais. Ao mesmo tempo, numa volta ao passado, fui me lembrando de vários músicos brasileiros que levaram tantas vezes, por ideais, o nome de nosso país ao exterior.
Felizmente, soube que no âmbito federal iniciou-se um embrião de projeto musical para o qual voluntariamente dei alguns palpites, afinal, já fiz 70 anos.
Ao que tudo indica, o projeto terá três objetivos: formar profissionais que certamente terão espaço para exercer o seu ofício; dar oportunidade para jovens terem a música como instrumento de paz, amor e solidariedade no seu dia a dia; e, finalmente, a formação de novos públicos.
Somente democratizando a cultura em todas as regiões atingiremos metas que poderão nos dar orgulho.
Projetos como a Sinfônica de Heliópolis e os Meninos do Morumbi podem mudar a realidade de toda uma comunidade.
Da nossa parte, nós, os músicos da Bachiana Filarmônica Sesi-SP, corremos os CEUs da Prefeitura de São Paulo, unidades da Fundação Casa e pequenas cidades do interior de São Paulo, Minas e Espírito Santo, onde educamos cerca de mil crianças e jovens.
Isso sem esquecer de levar nossa bandeira para os grandes palcos do mundo, tais como o Lincoln Center de Nova York, que receberá 45 jovens e 25 profissionais da nossa Bachiana, com Arthur Moreira Lima ao piano, no dia 19 de setembro.
Não custa sonhar, e quero viver para ver o nosso Brasil disputar, não esporadicamente, com asiáticos, americanos e europeus os principais concursos de música por este mundo afora, e, ao mesmo tempo, ver a criminalidade diminuir, inclusive com a ajuda da música.
Por outro lado, se voltarmos a ser campeões do mundo no futebol, melhor ainda!


JOÃO CARLOS MARTINS é regente da Bachiana Filarmônica.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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