|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CARLOS HEITOR CONY
Sou Ariano
RIO DE JANEIRO - Não se trata de uma declaração racial. Pelo contrário, sou resultado de abominável
mistura de sangues oprimidos, vivesse eu na Alemanha nazista seria potencialmente um promissor candidato aos campos de concentração.
Mas sou do Brasil e vivo no Brasil,
às vezes pouco à vontade, pensando
em emigrar para as ilhas Papuas ou
para mais longe. Vez por outra, porém, sinto um baita orgulho de ser
brasileiro. Na última quinta-feira,
em Passo Fundo, estourei de orgulho
durante a homenagem que prestaram ao Ariano Suassuna, dando-lhe
o título de doutor "honoris causa" da
universidade local.
Já assisti de corpo presente -como
assisti de igual forma a missas também de corpo presente- homenagens a outros ilustres vultos de nossa
fauna intelectual e científica. Mas
nada que se compare ao show de inteligência e humor, de simpatia e
brasilidade que Suassuna deu a uma
platéia de 5.000 pessoas.
A leitura de seus feitos e desfeitos
pelo mestre de cerimônia seria inútil,
redundante. Se há um brasileiro que
não precisa de currículo é Suassuna.
Calado ele sempre fala alguma coisa.
Falando -e fala não apenas pelos
cotovelos mas pela cabeça, tronco e
membros- ele é um grande e profundo clown, adaptado ao setentrião
brasileiro, um personagem que o teatro grego, Shakespeare e os grandes
autores espanhóis -que eram bons
nisso- não tiveram a oportunidade
de criar.
Espantosa a rapidez com que Suassuna passa de uma costureira do Recife para Calderón de la Barca, do
mais profundo folclore nordestino
para Goethe, de um funcionário do
Infraero que implica com ele, na hora
do embarque, para Shakespeare.
Na visão estrita de sua atuação como showman, Ariano dá um banho
nos profissionais. Não conta piadas,
não diz o que a platéia quer ouvir. É
um caniço que pensa, um pedaço de
canavial nordestino que atinge a
universalidade do homem. É um
pouco vegetal, imensamente humano. imensamente nosso.
Texto Anterior: Brasília - Fernando Rodrigues: A falsa reforma avança Próximo Texto: João Sayad: Fantasma Índice
|