São Paulo, segunda-feira, 29 de agosto de 2005

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JOÃO SAYAD

Fantasma

Na sala de espera do aeroporto de Kingston, na Jamaica, às 4 horas da manhã, entra um sujeito magro, falando como gaúcho, em mangas de camisa, uma pasta na mão. É representante da indústria brasileira de cerâmicas. Vende US$ 100 milhões por ano no Caribe. Faz isso há 25 anos. Reclamou do câmbio. O país tem energia empresarial. Não somos mais exportadores passivos.
Os dois últimos anos foram muito bons para a América Latina por causa dos juros internacionais baixos, preços de soja, petróleo e minerais em alta.
Presidentes e autoridades econômicas latino-americanos fazem o mesmo discurso: reduziram endividamento externo, implementam gastos sociais em educação e combate à pobreza, exportam e importam mais, acumulam reservas. O Brasil se destaca pela taxa de juros interna muito alta.
Apesar da boa fase da economia, explodiram crises políticas por toda a região. Processo judicial e ameaça de prisão do prefeito da Cidade do México, potencial candidato a presidente; deposição do presidente do Equador, saída do presidente Mesa da Bolívia e finalmente, a enorme crise brasileira que começou com a derrota do governo na eleição do presidente da Câmara e chegou às CPIs sobre corrupção.
Em alguns países, ministros jovens e heterodoxos gritaram contra o FMI. Os efeitos sobre a taxa cambial e o risco-país foram moderados e de curta duração. Não mostram resultados piores do que os países com ministros velhos que fazem discursos ortodoxos. O que se fala não é muito importante.
Temos muitas coisas em comum -somos católicos, falamos línguas semelhantes. A mesma história -colonização, escravidão, caudilhos, ditaduras militares, redemocratização. História não explica destino. O comércio interregional cresce há 20 anos. Mas é menor do que o comércio com os Estados Unidos, a Europa e a Ásia.
A sincronização das crises políticas e do bom desempenho econômico é um mistério. Que força misteriosa determina o destino comum da região?
A instabilidade política é filha de 20 anos debaixo de crescimento inaceitável num continente "americano", que sonha com a prosperidade e convive com estagnação e péssima distribuição de renda. Por que as crises ocorrem ao mesmo tempo e em tempo de vacas gordas?
O "milagre" da blindagem regional decorre das baixas taxas de juros internacionais, do déficit público americano e do crescimento da China. A estabilidade depende deste arranjo sino-americano. O continente pertence à "área do dólar", como os países da Europa oriental dependiam do marco alemão antes da criação do euro. É o dinheiro americano que, como um fantasma, marca o passo e o ritmo de cada uma das economias do continente.
Se você estiver preocupado com a taxa de câmbio, não precisa assistir os tristes depoimentos da CPI. Mude para a CNN para saber como vai a popularidade do presidente Bush, o que diz o presidente do Federal Reserve e os riscos de ataques terroristas.


João Sayad escreve às segundas-feiras nesta coluna.

jsayad@attglobal.net


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