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JOÃO SAYAD
Fantasma
Na sala de espera do aeroporto
de Kingston, na Jamaica, às 4 horas da manhã, entra um sujeito magro, falando como gaúcho, em mangas de camisa, uma pasta na mão. É
representante da indústria brasileira
de cerâmicas. Vende US$ 100 milhões
por ano no Caribe. Faz isso há 25 anos.
Reclamou do câmbio. O país tem
energia empresarial. Não somos mais
exportadores passivos.
Os dois últimos anos foram muito
bons para a América Latina por causa
dos juros internacionais baixos, preços de soja, petróleo e minerais em alta.
Presidentes e autoridades econômicas latino-americanos fazem o mesmo
discurso: reduziram endividamento
externo, implementam gastos sociais
em educação e combate à pobreza, exportam e importam mais, acumulam
reservas. O Brasil se destaca pela taxa
de juros interna muito alta.
Apesar da boa fase da economia, explodiram crises políticas por toda a região. Processo judicial e ameaça de
prisão do prefeito da Cidade do México, potencial candidato a presidente;
deposição do presidente do Equador,
saída do presidente Mesa da Bolívia e
finalmente, a enorme crise brasileira
que começou com a derrota do governo na eleição do presidente da Câmara e chegou às CPIs sobre corrupção.
Em alguns países, ministros jovens e
heterodoxos gritaram contra o FMI.
Os efeitos sobre a taxa cambial e o risco-país foram moderados e de curta
duração. Não mostram resultados
piores do que os países com ministros
velhos que fazem discursos ortodoxos. O que se fala não é muito importante.
Temos muitas coisas em comum
-somos católicos, falamos línguas
semelhantes. A mesma história -colonização, escravidão, caudilhos, ditaduras militares, redemocratização.
História não explica destino. O comércio interregional cresce há 20
anos. Mas é menor do que o comércio
com os Estados Unidos, a Europa e a
Ásia.
A sincronização das crises políticas e
do bom desempenho econômico é
um mistério. Que força misteriosa determina o destino comum da região?
A instabilidade política é filha de 20
anos debaixo de crescimento inaceitável num continente "americano", que
sonha com a prosperidade e convive
com estagnação e péssima distribuição de renda. Por que as crises ocorrem ao mesmo tempo e em tempo de
vacas gordas?
O "milagre" da blindagem regional
decorre das baixas taxas de juros internacionais, do déficit público americano e do crescimento da China. A estabilidade depende deste arranjo sino-americano. O continente pertence à
"área do dólar", como os países da Europa oriental dependiam do marco
alemão antes da criação do euro. É o
dinheiro americano que, como um
fantasma, marca o passo e o ritmo de
cada uma das economias do continente.
Se você estiver preocupado com a taxa de câmbio, não precisa assistir os
tristes depoimentos da CPI. Mude para a CNN para saber como vai a popularidade do presidente Bush, o que diz
o presidente do Federal Reserve e os
riscos de ataques terroristas.
João Sayad escreve às segundas-feiras nesta coluna.
jsayad@attglobal.net
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