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Perigosa fantasia
Proposta de Constituinte política é ingênua, impraticável e arriscada num contexto de concentração de poder no Executivo federal
Diante de tantos escândalos
protagonizados por políticos e de
tamanhas evidências do descompasso entre a sociedade e o sistema que a representa, compreende-se o desejo de uma Constituinte exclusiva ou de um Congresso
revisor destinado a promover uma
reforma política. Mas a ideia é ingênua, impraticável e, na presente conjuntura eleitoral, perigosa.
Ela parte do pressuposto de que
um corpo legislativo eleito apenas
para formular a reforma política
seria diferente de qualquer Congresso habitual. Nada menos crível: os constituintes seriam eleitos
pelos mesmos partidos e regras, e
provavelmente seriam, na maioria, os mesmos parlamentares de
hoje ou amanhã. É fantasia eleger
uma assembléia de anjos, imunes
aos vícios do sistema atual.
Mais grave do que isso, a proposta é inconstitucional. Para que
deixasse de sê-lo, seria necessário
que fosse autorizada, por plebiscito, a convocação de tal corpo legislativo, e que a reforma por ele
produzida viesse a ser chancelada
em novo referendo popular. É de
imaginar o tumulto que esse esdrúxulo processo acarretaria à vida institucional.
Seu início dependeria de autorização dos congressistas a serem
eleitos em outubro próximo. Estes
dificilmente veriam com simpatia
a instalação de um Congresso paralelo, que esvaziaria seu poder e
ameaçaria seus privilégios. Para
que nele pudessem ingressar, teriam de enfrentar nova eleição, algo sempre custoso e arriscado.
Como se não bastasse, a proposta se revela perigosa no atual
período político. Tudo indica que
o bloco instalado no poder federal
alcançará vitória esmagadora nas
eleições gerais que se aproximam.
A se confirmarem esses prognósticos, a Presidência da República exercerá virtual controle sobre o Congresso e aumentará ainda mais sua influência sobre as
demais instituições. Esquemas de
incrustação partidária e sindical,
que aparelham o Estado há oito
anos, receberão novo estímulo. A
oposição será dizimada, e o espaço de divergência e crítica tenderá
a se estreitar.
Nessas circunstâncias, bastaria
um passo temerário para que a ingenuidade da proposta de uma
Constituinte exclusiva fosse convertida em perfídia, numa aventura em que o Executivo todo-poderoso se arrogasse a refazer o desenho constitucional do país para
submetê-lo a seus desígnios.
Felizmente, esse não é um cenário provável. O Brasil é uma sociedade complexa e diversificada, e
suas instituições democráticas parecem consolidadas o bastante
para rechaçar com toda veemência um novo ciclo de autoritarismo, mesmo que dissimulado sob o
manto de maiorias eleitorais.
Quanto à reforma política, em
vez de soluções súbitas ou mágicas, a melhor forma de realizá-la é
estimular a contínua vigilância
pública, exigir o fim da impunidade e pressionar por mudanças
progressivas. Trata-se menos de
melhorar leis, do que de melhorar
toda uma cultura.
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