São Paulo, domingo, 29 de setembro de 2002

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ESTADO DO MUNDO

A manifestação mais evidente da crise econômica internacional é o que os economistas designam "credit crunch" (literalmente, uma "trituração" do crédito).
Falta crédito, mas não falta dinheiro. Ocorre que os donos desse dinheiro estão agora avessos ao risco. Com o fim da bolha especulativa nas Bolsas dos EUA, o país mais deficitário do mundo começa a enfrentar problemas típicos do Terceiro Mundo, como o desafio de manter a captação de recursos externos.
A contração do crédito, no entanto, não é uma solução para os bancos. A desaceleração da economia global encolhe mercados, empregos e rendas, afetando também os lucros das grandes empresas.
O efeito da desaceleração é agravado pela percepção de que os valores até poucos anos atrás atribuídos a grandes empresas eram manipulações contábeis da fase de euforia financeira. Sem poder girar o dinheiro, o banco que foge do risco não tem onde se esconder do mal depressivo que acaba por afetar de modo inevitável a sua lucratividade também.
Nesse contexto de desaceleração econômica e fragilização financeira globais, são ainda tragicômicas as tentativas tópicas, míopes, de reengenharia política nos organismos financeiros multilaterais, como o FMI.
Propostas como a de criar uma nova câmara de compensações internacional em que os bancos privados teriam assento para julgar concordatas "em tempo hábil" de países deficitários são o equivalente a pedir às raposas que venham ajudar a cuidar do galinheiro, dando aos bancos globais um assento privilegiado no terrível tribunal da sobrevivência econômica em mercados globalizados.
Mas os tecnocratas do Fundo e dos principais centros acadêmicos norte-americanos sempre foram cegos a essas determinações estruturais, históricas e políticas do funcionamento do sistema monetário internacional.
Ora, a principal economia deficitária do mundo, a dos EUA, é também a única com poder para impor ajustes ao resto do mundo, sobretudo aos deficitários menos desenvolvidos ao sul do rio Grande.
A razão desse privilégio, de serem os EUA o agente mais desequilibrado da economia mundial com imunidade contra os preceitos de ajuste fiscal que impõe aos outros, é ainda o fato de Washington emitir dólares, o mais próximo a que se chegou de uma moeda internacional no sistema econômico mundial.
Se essa moeda é internacional, não é supranacional. As regras do jogo na gestão desse dinheiro estão sujeitas ao arbítrio de um Estado nacional que, também no campo militar, pretende prolongar e aprofundar o seu estatuto imperial.
Num contexto de crise de crédito e riscos de quebra por todos os lados, a oferta de moeda forte é uma arma crucial. Não é portanto por argumentos de ordem keynesiana ou monetarista que o FMI continua obrigando os países sob sua orientação a minimizar até o limite do socialmente suportável a estatura e os projetos de seus governos.
Num mundo onde só há uma moeda, pode haver um único Estado.


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