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TENDÊNCIAS/DEBATES
E agora?
RUY FAUSTO
Acho que as razões que nos impedem de votar em cada um dos candidatos são, em geral, mais fortes do que as que temos para votar neles
NUM ARTIGO anterior ("Que
me é permitido esperar?",
"Tendências/Debates", 10/9),
tentei fazer um balanço das razões
que poderiam nos levar a votar em cada um dos candidatos e das razões
que nos impedem de votar neles.
Acho que estas últimas são, em geral,
mais fortes do que as primeiras.
Difícil fazer uma escolha entre um
populismo light implicado em práticas corruptas e com uma política econômica ortodoxa, um conservantismo pálido e aliado às forças mais reacionárias do país e um revolucionarismo demagógico de outra época,
além de uma candidatura com ressaibos de neovarguismo e de brizolismo.
Votar em branco ou nulo? Prefiro
não responder. Em vez disso, vão aí
algumas reflexões.
Uma coisa é preocupante: a falta de
lucidez de boa parte das chamadas
elites intelectuais. Em artigo que publiquei no Mais! há alguns dias, procurei mostrar como houve, até aqui,
pouco espaço, no Brasil, para um
pensamento político de esquerda democrática e não corrupta, e como toda manifestação nesse sentido acaba
sendo mais ou menos neutralizada
pelas forças hegemônicas, que são: a
direita (incluindo o centro-direita); a
esquerda petista; e a extrema-esquerda indulgente com o totalitarismo.
A "intelligenzia" petista literalmente naufragou diante do problema
da corrupção. Ora ela explica que a
questão não é "moral" (sic!), mas do
sistema, ora afirma que os outros fizeram pior. Que me perdoem o que
me resta de bons amigos nessa área,
mas era previsível que a "intelligenzia" petista terminasse assim.
Com efeito, na prática dos seus melhores representantes houve freqüentemente uma distância brutal
entre, por um lado, uma seriedade
universitária a toda prova, e, por outro, um discurso político, generoso,
sem dúvida, mas, na realidade, superficial, com arroubos demagógicos,
preocupado demais em inflamar turbas de convertidos. Isso anunciava a
catástrofe. Que a reação da imprensa
tenha sido muitas vezes excessiva (no
caso de uma revista, até ignóbil) não
apaga o engano -que vem de longe.
Quanto à intelectualidade de extrema-esquerda, com pequenos retoques, ela, em geral, retoma velhas fórmulas. Tudo aquilo que o marxismo
não vê nem pode ver na política dos
séculos 20 e 21 (e esse campo de não-visão é vasto), essa intelectualidade
também não enxerga. Daí os erros
grosseiros de gente dotada. Alguns
saem do modelo, mas pouco.
Recentemente, o sociólogo Chico
de Oliveira apontou, em entrevista,
um suposto fechamento das possibilidades da política brasileira, dado o
peso de determinações nacionais e
internacionais. A crítica de Oliveira,
pelo fato mesmo de ser hiperbólica,
fica a meio caminho.
A crítica se concentra na "situação
objetiva", e a hipérbole (fim da política) escamoteia a crítica. A situação
objetiva "anda mal". Já a sua candidata (sobre cujas possibilidades ele é
pessimista) e seu partido (PSOL), esses são mais ou menos como deveriam ser. O tema dos limites objetivos
mascara os limites subjetivos do discurso e seu caráter em parte acrítico.
E agora? Apesar de tudo, há algumas razões para esperar. Uma parte
do eleitorado petista continua sendo
fiel ao partido por causa do que resta
de petistas "éticos". Nem todo mundo no PSOL é revolucionário: há democratas radicais que o apóiam, na
falta de uma melhor alternativa. E a
maioria dos eleitores de Cristovam
não deve ser brizolista ou getulista.
Quanto ao PSDB, partido que tinha
verniz social-democrata, textos recentes mostram que há descontentamento numa franja -intelectual, sobretudo- dos seus (ex?) eleitores.
"Not the least", muita gente não niilista votará nulo ou em branco.
Assim, de uma perspectiva otimista, pode-se dizer que, apesar de tudo,
há forças sãs dentro de vários campos
(ou fora), e isso é um dado positivo.
Na impossibilidade de eleger um bom
candidato, o importante é estimular o
melhor dessas tendências.
Para isso, o decisivo, para a esquerda em particular, é manter uma atitude crítica, um discurso lúcido e sem
demagogia: precisamos articular com
rigor a crítica à direita e à centro-direita, com a desmistificação, no campo da própria esquerda, das ilusões
corrupto-populistas de uns e radical-revolucionárias (totalitárias, no limite) de outros.
Sendo de ordem mais "teórica" do
que prática, esse projeto pode parecer pouca coisa. Mas, nas circunstâncias atuais, é essencial. Ele é difícil
para uma esquerda acostumada com
soluções simplistas. Só por aí, entretanto, ela e o país poderão avançar.
RUY FAUSTO, filósofo, é professor emérito da USP e autor de, entre outras obras, "Marx - Lógica e Política".
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