São Paulo, sexta-feira, 29 de setembro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

E agora?

RUY FAUSTO

Acho que as razões que nos impedem de votar em cada um dos candidatos são, em geral, mais fortes do que as que temos para votar neles

NUM ARTIGO anterior ("Que me é permitido esperar?", "Tendências/Debates", 10/9), tentei fazer um balanço das razões que poderiam nos levar a votar em cada um dos candidatos e das razões que nos impedem de votar neles.
Acho que estas últimas são, em geral, mais fortes do que as primeiras.
Difícil fazer uma escolha entre um populismo light implicado em práticas corruptas e com uma política econômica ortodoxa, um conservantismo pálido e aliado às forças mais reacionárias do país e um revolucionarismo demagógico de outra época, além de uma candidatura com ressaibos de neovarguismo e de brizolismo. Votar em branco ou nulo? Prefiro não responder. Em vez disso, vão aí algumas reflexões.
Uma coisa é preocupante: a falta de lucidez de boa parte das chamadas elites intelectuais. Em artigo que publiquei no Mais! há alguns dias, procurei mostrar como houve, até aqui, pouco espaço, no Brasil, para um pensamento político de esquerda democrática e não corrupta, e como toda manifestação nesse sentido acaba sendo mais ou menos neutralizada pelas forças hegemônicas, que são: a direita (incluindo o centro-direita); a esquerda petista; e a extrema-esquerda indulgente com o totalitarismo.
A "intelligenzia" petista literalmente naufragou diante do problema da corrupção. Ora ela explica que a questão não é "moral" (sic!), mas do sistema, ora afirma que os outros fizeram pior. Que me perdoem o que me resta de bons amigos nessa área, mas era previsível que a "intelligenzia" petista terminasse assim.
Com efeito, na prática dos seus melhores representantes houve freqüentemente uma distância brutal entre, por um lado, uma seriedade universitária a toda prova, e, por outro, um discurso político, generoso, sem dúvida, mas, na realidade, superficial, com arroubos demagógicos, preocupado demais em inflamar turbas de convertidos. Isso anunciava a catástrofe. Que a reação da imprensa tenha sido muitas vezes excessiva (no caso de uma revista, até ignóbil) não apaga o engano -que vem de longe.
Quanto à intelectualidade de extrema-esquerda, com pequenos retoques, ela, em geral, retoma velhas fórmulas. Tudo aquilo que o marxismo não vê nem pode ver na política dos séculos 20 e 21 (e esse campo de não-visão é vasto), essa intelectualidade também não enxerga. Daí os erros grosseiros de gente dotada. Alguns saem do modelo, mas pouco.
Recentemente, o sociólogo Chico de Oliveira apontou, em entrevista, um suposto fechamento das possibilidades da política brasileira, dado o peso de determinações nacionais e internacionais. A crítica de Oliveira, pelo fato mesmo de ser hiperbólica, fica a meio caminho.
A crítica se concentra na "situação objetiva", e a hipérbole (fim da política) escamoteia a crítica. A situação objetiva "anda mal". Já a sua candidata (sobre cujas possibilidades ele é pessimista) e seu partido (PSOL), esses são mais ou menos como deveriam ser. O tema dos limites objetivos mascara os limites subjetivos do discurso e seu caráter em parte acrítico.
E agora? Apesar de tudo, há algumas razões para esperar. Uma parte do eleitorado petista continua sendo fiel ao partido por causa do que resta de petistas "éticos". Nem todo mundo no PSOL é revolucionário: há democratas radicais que o apóiam, na falta de uma melhor alternativa. E a maioria dos eleitores de Cristovam não deve ser brizolista ou getulista.
Quanto ao PSDB, partido que tinha verniz social-democrata, textos recentes mostram que há descontentamento numa franja -intelectual, sobretudo- dos seus (ex?) eleitores. "Not the least", muita gente não niilista votará nulo ou em branco.
Assim, de uma perspectiva otimista, pode-se dizer que, apesar de tudo, há forças sãs dentro de vários campos (ou fora), e isso é um dado positivo. Na impossibilidade de eleger um bom candidato, o importante é estimular o melhor dessas tendências.
Para isso, o decisivo, para a esquerda em particular, é manter uma atitude crítica, um discurso lúcido e sem demagogia: precisamos articular com rigor a crítica à direita e à centro-direita, com a desmistificação, no campo da própria esquerda, das ilusões corrupto-populistas de uns e radical-revolucionárias (totalitárias, no limite) de outros.
Sendo de ordem mais "teórica" do que prática, esse projeto pode parecer pouca coisa. Mas, nas circunstâncias atuais, é essencial. Ele é difícil para uma esquerda acostumada com soluções simplistas. Só por aí, entretanto, ela e o país poderão avançar.


RUY FAUSTO, filósofo, é professor emérito da USP e autor de, entre outras obras, "Marx - Lógica e Política".

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